Constituição do Brasil – 200 anos das Cartas que regem o País

Artigo de opinião pelo Econ. Gilberto Coelho de Miranda Jr*

Neste ano, 2024, comemoram-se 200 anos da primeira Constituição do Brasil, outorgada em 25 de março de 1824, pelo Imperador D. Pedro I. Os precedentes históricos nos quais a Monarquia de então se espelhou foram as constituições de San Marino (1600), da França (entre 1791 e 1830), e dos Estados Unidos (1787), entre as principais.  Logo após a independência, em 7 de setembro de 1822, houve desdobramentos entre radicais e conservadores na recém-criada assembleia constituinte de 1823, o que resultou num processo desgastante e muito conturbado para o Império.

Pedro I lembrou aos deputados, em seu discurso, que a Constituição deveria impedir eventuais abusos não somente por parte do monarca, mas também por parte da classe política e da própria população. Para tanto, seria necessário evitar implantar no País leis que, na prática, seriam desrespeitadas – o que, num primeiro momento, até foi aceito. No decorrer dos trabalhos, entretanto, isso acabou não ocorrendo, pois os deputados eleitos estavam ou do lado dos liberais moderados (os quais não pertenciam a partidos, que ainda não existiam no Brasil, e defendiam uma monarquia forte, mas constitucional, para evitar a fragmentação do País; a abolição do tráfico de escravos; a realização de uma reforma agrária; e o desenvolvimento econômico do país, livre de empréstimos estrangeiros) ou do lado do grupo de portugueses absolutistas (que compreendia não apenas lusitanos, mas também brasileiros que defendiam uma monarquia meramente figurativa e descentralizada, se possível com a manutenção da escravidão, e eram avessos às ideologias pregadas no grupo rival).

A crise imperou na Constituinte, levando o imperador a dissolver a Assembleia (o que, de fato, quase levou a um conflito), mobilizando as tropas na capital do Império a fim de resguardar a fidelidade e manutenção da ordem – o que resultou na “noite da agonia”, evento no qual o Imperador ordenou ao exército a invasão do Congresso, em 12 de novembro de 1823, prendendo e exilando diversos deputados.

Apesar da apreensão de D. Pedro I quanto à possibilidade de se tornar uma figura nula no governo do País, sua demonstração de descontentamento foi, à época, a justificativa do fechamento da Constituinte. E como não era o desejo do Imperador governar como um déspota, pois sua ambição era ser guardado pelo amor de seu povo e pela fidelidade de suas tropas e não impor sua tirania, encarregou o Conselho de Estado, criado em 13 de novembro de 1823, de redigir um novo projeto de Constituição, que estaria finalizado em apenas 15 dias. Esse grupo de notáveis era formado por juristas renomados, todos brasileiros natos, liderados por Carneiro de Campos, principal autor da nova Carta.

O Conselho de Estado utilizou como base o projeto anterior e encaminhou o texto da Constituinte para todas as câmaras municipais. Esperava-se que ele servisse como um modelo para a nova Assembleia Constituinte; contudo, as câmaras municipais, compostas por vereadores eleitos pelo povo brasileiro, votaram por sua adoção como a Carta Magna do Brasil independente. Pouquíssimas câmaras fizeram qualquer tipo de observação e praticamente nenhuma fez alguma reserva.

Assim, a primeira Constituição brasileira foi então outorgada por D. Pedro I e solenemente jurada em 25 de março de 1824, na Catedral do Império, no Rio de Janeiro, pelo Imperador, sua esposa D. Leopoldina e demais autoridades. D. Pedro I e seus constituintes tiveram o bom senso de escolher o melhor regime para a nação tropical, que se emancipava na América, sem copiar os Estados Unidos já consolidados e as nações hispano-americanas retaliadas por tropelias sem fim, pelo revezamento de breves períodos democráticos e ditaduras caudilhescas.

Nesta comemoração pelos 200 anos da sua promulgação, é ainda a Carta que mais tempo vigorou no país – foram 65 anos, até a Segunda Constituição, já em tempos republicanos (1891). É um relato histórico, com muitos ciclos que parecem semelhantes aos dias atuais – o que prova que o Brasil é uma pátria consolidada, respeitada, admirada e motivo de orgulho, mas tem muito ainda a avançar no que tange ao seu desenvolvimento econômico, político e social.

Fonte:
HOLANDA, Sérgio Buarque de. O Brasil Monárquico: o processo de emancipação. 4. ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1976, p.186
Infopédia. «Carta Constitucional – Infopédia». infopedia.pt – Porto Editora. Consultado em 20 de novembro de 2022
«D. Pedro IV “O Libertador” (1798-1834)». Assembleia da República Portuguesa. Consultado em 18 de novembro de 2017 

*Gilberto Coelho de Miranda Jr é economista com especialização em Gestão Pública É assessor especial da presidência do Corecon-PR, membro do Comitê de Olho da Transparência e ex-integrante da Comissão de Desenvolvimento Regional do Cofecon.