Artigo de opinião – A Nova Política Industrial e suas oportunidades e obstáculos
Artigo de opinião do conselheiro regional Antonio Prado (Corecon-SP), publicado no portal Terapia Política
Há um ciclo de sabotagem ao desenvolvimento brasileiro e da América Latina. Ciclo no sentido de que há movimentos recorrentes que destroem avanços conquistados por gerações. Não se trata aqui de atribuir uma conspiração ou má fé aos agentes do atraso, não que estas não estejam presentes, mas a um modo de pensar, um jeito de ser e de agir que nega as possibilidades do país.
Ouvi há poucos dias um debate em que o professor L. G. Belluzzo revelava uma conversa de Celso Furtado e Eugênio Gudin nos corredores da FGV-RJ. Nesta ocasião, Gudin alertava Furtado de que a industrialização brasileira era fadada ao fracasso, pois nossa cultura de negros e mestiços não gerava o ambiente adequado para esta empreitada.
Gudin trazia arraigada em sua mentalidade a noção racista da indolência dos rebentos da miscigenação. É a ideia difundida pela piada derrotista de que Deus colocou maravilhas naturais no Brasil, mas um povinho de amargar.
Esta visão do desenvolvimento limitado ou potencializado pelos vícios ou virtudes culturais e raciais esteve presente durante muito tempo no pensamento social e econômico. Influenciou uma ideologia que negava a possibilidade do desenvolvimento dos povos inferiores do hoje chamado Sul Global por suas debilidades culturais intrínsecas. Ideologia sempre presente nas elites brasileiras.
A luta pelo desenvolvimento passa não apenas por superar o derrotismo típico das elites, que preferem explorar e humilhar o próprio povo e usufruir da modernidade de vitrine, mas impedir que esta elite do atraso sabote as políticas que buscam nos tirar do berço esplêndido da sociedade primário-exportadora, que teima em voltar de tempos em tempos.
A nova política industrial, chamada de NIB – Nova Indústria Brasil, é uma importante iniciativa para nos colocar de volta aos trilhos do desenvolvimento. Está bem estruturada, mas deve superar vários obstáculos para ser bem sucedida.
O primeiro já está bastante evidente: a sabotagem dos setores rentistas, que mobilizam intelectuais, jornalistas e políticos para criticarem o que ainda nem leram. Uma política industrial demanda uma mobilização social em sua defesa, não deve e não pode ser apenas uma construção burocrática.
Esta mobilização já vem da origem da própria política, elaborada no CNDI – Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, com a participação de vários ministérios, Confederações de Empresários, Centrais Sindicais, Universidades e Centros de Pesquisa. Este núcleo de elaboração pode e deve se tornar um núcleo de difusão e defesa do conteúdo da nova política industrial.
O segundo obstáculo é a prevalência da mentalidade equivocada de que equilíbrio fiscal precede o estímulo ao investimento. Já sabemos, pela experiência do Lula I e Lula II, que a sustentabilidade fiscal é resultado do crescimento econômico e não o contrário. A obsessão por um déficit primário zero nos levará a déficits negativos e a uma economia recessiva e não o contrário.
O terceiro obstáculo é uma política monetária mal gerida que vem sustentando taxas de juros reais altíssimas e que nos coloca num ciclo vicioso de baixas taxas de investimento, produtividade decrescente e crescimento insustentável da dívida pública, provocado pela própria política monetária. É necessário interromper esta rota da insensatez. Estes grandes obstáculos precisam ser superados, mas mesmo assim, a Nova Indústria Brasil tem por onde avançar.
Uma política industrial deve considerar dois tipos de eficiências: a eficiência keynesiana, que ocorre em mercados de demanda crescente e a eficiência schumpeteriana, que ocorre em mercados com inovações de produtos, processos.
A NIB pode ser muito promissora em algumas das suas missões que exploram a eficiência keynesiana, particularmente aquelas que repousam sobre as compras públicas de setores com orçamentos robustos. É o caso do complexo industrial da saúde, onde o SUS garante demanda elevada e há um grande espaço para substituição de importações.
O Complexo Agroindustrial também pode dar bons resultados, considerando a demanda internacional e a estrutura de crédito do setor, viabilizados pelo sistema de bancos públicos, principalmente Banco do Brasil e BNDES. Chamam a atenção as ações orientadas para a mecanização da agricultura familiar e o esforço para implantar os princípios da economia circular, onde se pode agregar valor aos resíduos da agricultura empresarial e agroindústria.
Na infraestrutura urbana e gestão das cidades também há muito espaço para adoção de novas tecnologias: eletrificação de transporte coletivo, adoção de energia solar em conjuntos habitacionais, sensoreamento de serviços públicos, poluição atmosférica, sonora, de águas e adoção de sistemas de gerenciamento de obras, apoiados por inteligência artificial.
Há também as possibilidades na área de defesa, onde o modelo de compras governamentais já se mostrou bem sucedido, na indústria aeronáutica, naval e metalúrgica.
As dificuldades podem ser significativas quando se trata de eficiência schumpeteriana. A adoção da chamada indústria 4.0 não é trivial. Neste caso, as empresas podem continuar adotando o padrão que vem prevalecendo desde os anos 80 do século passado, o da inovação incremental, defensiva, sem grandes pacotes de investimentos.
Há oportunidades de grandes investimentos, principalmente na indústria automobilística, já que há uma pressão mundial pela adoção de energias alternativas, de baixa emissão de carbono. Mas, isto não significa uma adoção massiva das tecnologias da indústria 4.0, pois podem ser necessárias apenas em pontos específicos da cadeia produtiva.
O grande obstáculo no avanço da indústria 4.0 está na política monetária restritiva, que desestimula expectativas positivas de crescimento sustentado da demanda e permite que as empresas fiquem muito confortáveis, valorizando sua acumulação interna a uma taxa de juros real de 6 a 7% ao ano.
A política fiscal também pode ser um obstáculo relevante, pois a expectativa de cortes de gastos públicos para atingir o déficit zero deprime as decisões de investimento e gera fortes incertezas para os investimentos.
Podemos ver que há oportunidades reais para a implementação bem sucedida da Nova Indústria Brasil e que, a depender da política macroeconômica, ela pode ter um ritmo maior ou menor, mas há espaço para avanços, apesar do negacionismo liberal.