XXV CBE: Como levar o Brasil ao caminho do desenvolvimento?
Mesas de debate abordaram planejamento para o desenvolvimento, políticas sociais e economia da saúde
Como o Brasil poderá retomar o caminho do desenvolvimento? Por que o planejamento é importante para atingir esta finalidade? Que papel as políticas sociais desempenham na busca por este objetivo? E como o investimento no complexo econômico e industrial da saúde pode impulsionar a economia brasileira? Estas questões foram discutidas ao longo de três mesas de debates que formaram o eixo Desenvolvimento durante o XXV Congresso Brasileiro de Economia, realizado de 07 a 09 de novembro em São Luís.
Planejamento para o desenvolvimento
José Luís Oreiro também trouxe a debate o processo de desindustrialização vivido pelo Brasil nos últimos 40 anos, enfatizando que não é algo natural. Também abordou a chamada doença holandesa e destacou que, no Brasil, ela é ampliada pelo sistema tributário. “Como a reforma tributária não tem impacto direto sobre a taxa nominal de câmbio, é possível fazer uma desvalorização interna sem reduzir o poder de compra dos salários dos trabalhadores”, expressou Oreiro. Mas um dos obstáculos para ter uma taxa de câmbio competitiva é a taxa de juros estruturalmente alta. E, para o Brasil voltar a entrar no caminho do desenvolvimento, precisa transferir mão de obra de setores com menor valor agregado para setores de maior valor adicionado per capita. Daí a importância da reindustrialização da economia, mas com foco na mudança climática.
O economista André Roncaglia abordou algumas mudanças trazidas pelo novo cenário geopolítico. “A eficiência perdeu a primazia na política de desenvolvimento. As cadeias produtivas estão sendo rearranjadas com base em questões como a segurança nacional e a soberania tecnológica. A produção em locais mais baratos está perdendo espaço para produção em locais mais próximos e amigáveis”, destacou, colocando os conceitos de nearshoring e friendshoring. Além disso, os desafios da digitalização e descarbonização da economia abrem novos mercados e novas cadeias produtivas.
José Celso Cardoso trouxe algumas tendências mundiais disruptivas dos Estados nacionais. Ele destacou a globalização produtiva, comercial e financeira, os colapsos ambiental, produtivo e humano (com a explosão das desigualdades de todos os tipos e em todos os lugares), a revolução tecnológica e a fragmentação cultural e social. “Formas tradicionais de sociabilidade foram travadas e estamos diante de um novo normal ainda incerto”, pontuou. Sobre o planejamento, ele mencionou um paradoxo: “Todos concordam que o planejamento é importante, mas poucos acreditam nele de fato. E, embora poucos acreditem, quando confrontamos os planos e os resultados, há uma grande correlação entre ambos”.
Políticas sociais e desenvolvimento
Carlos Pinkusfeld Bastos comparou cargas tributárias de diferentes épocas do Século XX. “Antigamente, o gasto público era basicamente gasto militar. A expansão das atividades governamentais foi descrita no Século XIX por Adolf Wagner. O desenvolvimento da sociedade moderna industrial aumenta a pressão por progresso social, ou seja, pressão contínua pelos gastos do setor público e sua participação na economia. No fundo, a história é: há um crescimento do gasto social e, para isso, há o crescimento da arrecadação tributária. Onde há carga tributária alta, há bens públicos; onde há carga tributária baixa, não há bens públicos”, afirmou. Ele caracterizou a chamada era de ouro do capitalismo como um período de alto crescimento e forte expansão das políticas sociais, dizendo que com o aumento da carga tributária, o salário efetivo das pessoas passou a ser maior – em referência ao chamado salário indireto. Para o mundo contemporâneo, apresentou duas tendências conflitantes: as políticas sociais como vetores do desenvolvimento (tanto pelo lado da demanda efetiva quanto pela oferta quanto de políticas públicas voltadas para a mudança na estrutura produtiva) e a privatização (ou financeirização) da oferta de bens e serviços públicos.
Marcelo Manzano fez uma recapitulação do período de 1930 a 1988 (do salto industrial ao projeto de Estado social), dizendo que a Constituição apostava na consolidação de uma “sociedade salarial” nos trópicos. “Acreditamos que teríamos um desenvolvimento similar ao que foi visto nos anos dourados da Europa, mas chegamos tarde nesta festa. A Constituição passou a ser combatida no próprio dia em que foi promulgada, com as críticas do presidente José Sarney. Então em 1989 temos o Consenso de Washington e em 1990 avançamos pelo projeto do neoliberalismo”, observou. “Desde então temos uma desindustrialização precoce, financeirização crescente, constrangimentos fiscais, acirramento da concorrência internacional e uma novíssima dependência dos ciclos de liquidez internacional. Ao abordar o desemprego, afirmou que metade da População Economicamente Ativa do Brasil está em situação precária e que o subemprego é um indicador relevante em nosso País. “Nos nossos melhores momentos, ainda estamos longe daquele ideal que habitava o constituinte de 1988. Hoje temos novos percalços, com o avanço da financeirização dos serviços de saúde, de educação, das plataformas de trabalho. A digitalização tem trazido um quadro que vem sendo chamado de growth without jobs, crescimento sem gerar empregos”. Ao discutir o caminho por onde seguir, apontou três possibilidades: renda básica universal, consolidação do Estado de bem-estar social e a política de ocupação garantida, expondo pontos positivos e negativos de cada uma delas.
Ladislau Dowbor trouxe alguns números: o Brasil produz quatro quilos de grãos por pessoa por dia e tem 33 milhões com fome. O PIB per capita representa 16 mil reais ao mês por família de quatro pessoas – contrastando com o número de 50 mil pessoas em situação de rua em São Paulo. “A forma como essa riqueza se produz e é apropriada mostra uma incompetência radical na nossa organização como sociedade. Se o mundo produz 4 mil dólares por mês por família e temos 750 milhões de pessoas passando fome, isso é uma bagunça”, criticou. Ao falar sobre os juros altos e a atração de investimentos, afirmou que desenvolvimento não se atrai, se faz. “A China tirou mais de 600 milhões de pessoas da pobreza. Eu venho a Imperatriz, há muita gente parada, e em volta da cidade há muita terra parada. Em qualquer cidade da China há um cinturão de hortifrutigranjeiros. A terra tem valor, gera empregos, gera recursos para o município e alimentos para a população”. Ao falar sobre governança global, contrapôs o orçamento gerido por Joe Biden, da ordem de 6 trilhões de dólares, enquanto a gestora de investimentos Black Rock tem 10 trilhões em ativos. E afirmou que a revolução digital em curso é algo tão profundo como foi, há 250 anos, a revolução industrial.
Economia da saúde
Felipe Kamia enfatizou a importância de trazer os temas sociais para o centro do debate econômico. Ao tratar especificamente da saúde, ele defendeu a necessidade de impulsionar a produção de bens e serviços em saúde, destacando que este esforço complementar viabiliza o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS). “Reforço a necessidade de melhorarmos o financiamento do SUS e promovermos a construção do complexo econômico industrial da saúde no Brasil”, afirmou Kamia. “Sem o SUS não é possível garantir o desenvolvimento sustentável e sem o fortalecimento de um uma base produtiva e de inovação não é possível garantir o SUS”. Ele ressalta que a base tecnológica do Brasil não tem acompanhado as crescentes necessidades de saúde da população e que o primeiro aspecto que deve servir de parâmetro para a indústria da saúde é aliar a produção e a inovação ao acesso universal.
Carlos Eduardo Ocké-Reis ressaltou o protagonismo da política de saúde no governo federal. “Não é só para melhorar a assistência médica, mas também para impulsionar a economia. Os investimentos em saúde, inclusive no chamado complexo econômico e industrial da saúde, com repercussão nas áreas da tecnologia e inovação, não representam apenas o acesso a um direito, mas uma alternativa para reposicionar o Brasil no mundo”, apontou. Ele defende uma proposta de crescimento automático do financiamento do SUS, independentemente dos resultados macroeconômicos. “Porque mais tarde, quando se vive um ciclo positivo, os gastos em saúde diminuem”, justificou.