XXV CBE: A importância do planejamento para enfrentar os problemas contemporâneos
O planejamento teve papel importante no período de maior crescimento da economia brasileira. Mesa de debates abordou diversos aspectos, incluindo desenvolvimento regional e finanças públicas
Qual é a importância do planejamento para a economia brasileira? Quais são as funções do Estado e por que elas são importantes? O que leva o país a estar semiestagnado durante quatro décadas? Como o governo pode entrar na era digital? E qual é o futuro do desenvolvimento regional no Brasil? Estas e outras perguntas foram respondidas em três mesas de debate, que formaram o eixo Planejamento durante o XXV Congresso Brasileiro de Economia, realizado em São Luís nos dias 07 a 09 de novembro.
Planejamento e economia brasileira
Fernando Mattos abordou a questão do planejamento em si, destacando que representa uma ideia típica do nacional desenvolvimentismo, adotada tanto em países desenvolvidos quanto periféricos. No caso brasileiro, o primeiro processo se deu na era Vargas, assumindo uma forma mais definida no período entre 1945 a 1964. “O legado de Juscelino Kubitschek foi mantido pelo regime militar até o advento dos anos 1980. Tínhamos o maior parque industrial do Hemisfério Sul, mais do que China e Índia juntos. Os governos petistas trouxeram inclusão social, mas não tiveram êxito em reverter a desindustrialização”, apontou o economista. “É preciso e necessário reindustrializar o Brasil, porque ali estão os melhores empregos, os melhores salários e os ganhos de produtividade. Temos que enfrentar nosso conservadorismo e provincianismo”.
Antonio Corrêa de Lacerda comentou que, no governo atual, há um resgate da função do Estado. “Já na transição, uma primeira providência foi o resgate das funções clássicas da política econômica, a saber, Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio. Foi criado um novo ministério, que trata da gestão e inovação no setor público”, explicou. Entre os problemas atuais da economia brasileira, Lacerda destaca o baixo nível de investimento, inclusive apontando que o número de 2022 corresponde ao mais baixo em proporção do PIB em toda a série histórica iniciada em 1947. Outro grave problema da economia brasileira é a alta taxa de juros, que eleva o custo de capital e reduz o investimento. “Há uma clara distorção entre o tamanho da dívida e o custo do seu financiamento no Brasil”.
Luiz Carlos Bresser Pereira, ao questionar por que o País está semiestagnado desde os anos 80, trouxe ao debate a teoria do novo desenvolvimentismo. “Os instrumentos, como a teoria estruturalista clássica da Cepal, não estavam mais dando conta do recado. O mesmo deve ser dito da teoria econômica pós-keynesiana. Eu também sou um pós-keynesiano, mas eles não tinham sequer um diagnóstico. Para pensar este assunto, nasceu o novo desenvolvimentismo”. Para o ex-ministro, o diagnóstico é essencialmente econômico, mas não está sendo reconhecido e enfrentado. “A primeira diferença muito clara é a queda da poupança pública. Ela financiava os investimentos, que eram muito elevadas. Com a crise da dívida externa, as estatais foram usadas para se endividar no exterior e combater a inflação segurando seus preços. A poupança pública caiu verticalmente, reduzindo o investimento público e o privado”. Ele vê a necessidade de zerar o déficit em conta corrente, mas os governos, em geral, acabam caindo na armadilha do populismo cambial.
Planejamento e desenvolvimento regional
Aristides Monteiro Neto caracterizou a política de desenvolvimento regional feita no Brasil desde os anos 50 como algo calcado em uma intenção de modernização da economia, com bancos regionais passando a apoiar pouco a pouco esta estratégia e, por outro lado, incentivos fiscais como estímulo à localização de capitais. “Algumas políticas trazidas pela Constituição de 1988 e sua implementação sucessiva em governos posteriores trouxeram um quadro novo. Aposentadorias rurais, a melhoria dos recursos de saúde e educação, levando mais recursos para os municípios, criaram uma resiliência territorial local, uma dinâmica que ainda está aqui, a despeito das crises econômicas e de Covid-19 que tivemos nos últimos anos”, explicou. “Hoje nós não podemos seguir fazendo as políticas do passado. Este quadro, de desindustrialização por um lado e aumento do território da indústria por outro, foi combinado com novos elementos nos anos recentes. Como podemos fazer mais do que simplesmente emprestar recursos a empresas? Ela não cobra condicionalidades, performance competitiva, capacidade exportadora, desenvolvimento tecnológico. Os recursos dos bancos públicos estão sendo captados pelo capital agrícola. Precisamos avançar com uma agenda de desenvolvimento regional baseada na inovação, conhecimento e sustentabilidade ambiental”.
Luiz Alberto Esteves, economista chefe do Banco do Nordeste, abordou o financiamento do desenvolvimento. Ele explicou o chamado processo de convergência, no qual uma região que ficou para trás em termos de desenvolvimento começa a crescer mais que as outras, diminuindo a diferença. “Isso aconteceu no Nordeste, no período de 2000 a 2015, crescendo em média um ponto percentual a mais que a média nacional. Depois tivemos a crise econômica, a pandemia, mas o que nós observamos é que este processo ainda não havia se esgotado. Se isso acontecer na próxima década, ainda é pouco para tirar a diferença”, comentou Esteves. “O empréstimo qualificado voltou a crescer e essa demanda só tende a aumentar. O Fundo Constitucional alcançou uma demanda muito grande, mas ainda insuficiente. Tivemos que mudar a estratégia do banco, em que o Fundo será apenas um instrumento. Precisaremos buscar outros recursos para fazer outros tipos de engenharia financeira”. Esteves também destacou que hoje o Nordeste tem uma maior diversificação de vetores de crescimento, algo que antes não havia, e que hoje a região é o centro da discussão de transição energética no Brasil.
Tânia Bacelar falou sobre a trajetória do planejamento e do desenvolvimento regional (de onde estamos vindo?) e a implementação de políticas públicas (para onde iremos?). Enquanto abordava esse processo, Tânia disse que não fala apenas em desigualdade e concentração econômica regional. “Faço a outra leitura, a da maravilhosa diversidade do Brasil: seis biomas, um processo de ocupação humana diferente, a Amazônia de um jeito, o Nordeste de outro, o Centro-Oeste, o Sul, e culturalmente também. Temos uma diversidade cultural, e por aqui passa a valorização da economia criativa e do turismo, um ativo estratégico do País que até hoje é subvalorizado”, avaliou. Ela também tratou de uma mudança no padrão de migração no Nordeste, que antes era rumo ao Sul e Sudeste e agora ocorre dentro da região, das áreas rurais para as urbanas. Outra ideia trazida pela economista é que a Constituinte de 1988 trouxe uma realidade de planejamentos de médio prazo, mas que o Brasil ainda carece de planos de longo prazo. Ela também disse que o Brasil está desafiado a olhar para o futuro. “Ele não será uma consequência do passado. Estamos num momento de disrupção, de transição da sociedade industrial para a sociedade do conhecimento”.
Planejamento e finanças públicas
José Roberto Afonso abordou a questão do planejamento e das finanças públicas em um mundo digital, verde e inclusivo e afirmou que o Brasil precisa direcionar esforços para uma agenda do futuro da governança fiscal, baseada em quatro pilares: institucional, normativo, gerencial e de mudança estratégica. “A revolução digital não é apenas tecnológica, é também uma postura de vida e isso significa compromisso e mudança de como se vê o governo e de como este deve atuar”, mencionou. E a governança fiscal precisa se adaptar a este novo mundo. “Você tem sua vida no celular. Precisamos colocar os governos no celular. Dados moverão o mundo, e ninguém tem mais dados do que o governo. Há condições de se fazer planejamento, mas ele tem que ser feito em cima de evidências. Somos atrasados ao ponto de não termos bancos de dados que conversem entre si”. Apesar de tudo, o Brasil tem casos de sucesso, como o imposto de renda eletrônico. Mas estes casos ainda não são a regra quando falamos de governança.
Celia Carvalho tomou como base a fala de Afonso e afirmou que a governança fiscal inovadora só existe se houver uma federação forte, com coordenação de governo, políticas públicas e cooperação entre os entes federados. Ao exemplo do IR, acrescentou o da nota fiscal eletrônica. “Foi um trabalho muito interessante entre a Receita Federal e os estados brasileiros. Validamos eletronicamente a emissão daquele documento fiscal, o que permite ter um cadastro unificado de contribuintes, além de um monitoramento e avaliação”, destacou. “Temos uma quase inexistência de coordenação federativa. Disputa entre os governos, com pouco espaço para cooperação. Uma fragilidade grande dos estados. Não estamos preparados para choques. Temos PPAs, LDOs, LOAs que não conversam entre si. Três entes federados tentam resolver o mesmo problema e não conseguem. Isso mostra a falta de articulação”.
Fabio Arantes chamou a atenção para o fato de que o planejamento e a política fiscal estão submetidos ao tripé macroeconômico. “A sustentabilidade não está ligada somente ao resultado financeiro. Outros aspectos, como o ambiental e o social, precisam ser colocados nessa discussão sobre as contas públicas. Às vezes acontecem crises e os governos não têm como socorrer a saúde e a educação porque não têm recursos”, criticou. “Um dos caminhos é voltar ao princípio da demanda efetiva e separar o orçamento corrente e o orçamento fiscal”, agregou, retomando uma discussão keynesiana que apareceu em várias das mesas de debates. Sobre a falta de coordenação entre os vários níveis de governo, apontou que “No Consefaz, sofremos com leis que são aprovadas sem muita discussão com os estados, mas que impactam as finanças dos estados. Ontem tivemos a aprovação da reforma tributária, que em alguns aspectos dificulta a atuação dos estados, e tivemos as leis complementares 192 e 194 que tiraram R$ 100 bilhões. É complicado fazer planejamento de longo prazo quando existe a possibilidade destes sustos normativos”,