Vito Tanzi: “Mudanças climáticas trazem problemas econômicos novos, difíceis de resolver”
Economista italiano realizou a palestra magna do XXV Congresso Brasileiro de Economia, em São Luís, na noite de abertura do evento
Um novo futuro: planejamento, desenvolvimento e sustentabilidade. Além de ser o tema central do XXV Congresso Brasileiro de Economia, que acontece de 07 a 09 de novembro em São Luís, Maranhão, foi também o assunto abordado na palestra magna, proferida pelo economista italiano Vito Tanzi. Na noite desta terça-feira (07), ele contextualizou a origem das ideias de livre mercado, abordou a importância do planejamento, destacou que o crescimento econômico das últimas décadas tem beneficiado mais as camadas de renda mais alta e mencionou que as mudanças climáticas acrescentaram um elemento novo à economia.
Ele iniciou sua fala dizendo que para a economia de um país funcionar bem, não só no curto prazo, mas num período mais longo, os formuladores de políticas devem evitar alguns erros que eles frequentemente cometem. “Vou citar três. Primeiro, eles devem promover políticas que sejam economicamente eficientes, equitativas e sustentáveis. Há um conflito entre políticas que parecem ser boas no curto prazo, como aquelas que dependem de empréstimos para aumentar os gastos, mas que aumentam o ônus da dívida, criando dificuldades futuras”, expressou Tanzi. “Muitas vezes, o endividamento durante as recessões não é pago suficientemente rápido após as mesmas e a dívida pública permanece alta”.
O segundo erro, afirma Tanzi, é que as políticas não devem ser focadas em eventos que são estatisticamente arriscados. “Algum preparo geral deve ser feito. Por exemplo, as contas devem ser mantidas o mais em ordem possível para conservar o espaço fiscal, espaços hospitalares devem ser mantidos e outras ações similares podem ser tomadas”, afirmou. E o terceiro erro a ser evitado, na visão do economista italiano, é que as políticas não devem se concentrar excessivamente no crescimento econômico ou na equidade. “Países que se concentram muito em um objetivo e ignoram o outro frequentemente cometem um erro sério. Dar muito destaque à equidade pode prejudicar excessivamente os incentivos econômicos e dar muito destaque à eficiência pode criar outros problemas”.
Em seguida, Tanzi começou a abordar a importância do planejamento e discorreu sobre a ideologia do “laissez-faire” (livre mercado, com pouca ou nenhuma intervenção do governo), muito presente na economia desde o século XIX. Para contextualizar esta ideia, baseada na “mão invisível” de Adam Smith, Tanzi recordou que a prática vigente na época era o mercantilismo. “O governo desempenhava um papel importante, mas não positivo, na determinação do que os agentes econômicos poderiam ou não fazer. Emitiam também diretrizes econômicas e concediam algum poder de monopólio, além de fornecer outros privilégios econômicos aos cidadãos favorecidos”, explicou. “É preciso compreender que o laissez-faire não prestava atenção em como o mercado distribuiria a renda entre os cidadãos do país, mas se concentrava em recursos que maximizariam a produção total. Não se reconhecia um papel redistributivo do governo”.
Ficou evidente, comentou o economista, que o laissez-faire poderia levar a uma concentração significativa de renda, o que fez com que um número significativo de economistas começasse a sugerir que os governos tinham quem desempenhar papéis diferentes e crescentes nas economias. “A função que desempenharam durante o mercantilismo era muito arbitrária e descoordenada para ser chamado de planejamento. O primeiro uso de planejamento completo aconteceu na Rússia pós-revolução de 1917”, afirmou Tanzi. “Ele é mais fácil quando os países estão produzindo poucos bens básicos e quando governos totalitários podem determinar o que será produzido e como será distribuído. Fazendas coletivas e empresas públicas não têm incentivos claros à eficiência, mas ainda podem funcionar e gerar alguma produção. A experiência soviética indica que o planejamento leva a problemas crescentes de eficiência”.
Quanto mais avançada for uma economia, maior será a necessidade de bens públicos, de impostos para financiá-los e de regulamentações. Por isso, “a visão de indivíduos libertários, de que uma economia pode funcionar com pouco ou quase nenhum papel do governo, é um sonho de verão”, pontuou Tanzi. “Muita intervenção do governo pode prejudicar o mercado e contribuir para as dificuldades econômicas. Mas pouca intervenção também gera problemas. A determinação do nível ótimo de intervenção governamental é um dos problemas mais difíceis na economia”.
No campo do desenvolvimento, Tanzi observou que, após a Segunda Guerra Mundial, desenvolveu-se uma nova área da economia, o desenvolvimento econômico, como forma de buscar que os países pudessem crescer a taxas mais rápidas reduzindo sua pobreza. Para isso, a criação de infraestruturas ausentes e o crescimento do capital humano disponível nos países mais pobres foram identificados como fatores importantes. E para buscar estes objetivos, os governos precisariam aumentar os níveis de impostos. “Uma vasta literatura acadêmica se desenvolveu para orientar os países em desenvolvimento a aumentarem seus níveis de impostos. O Brasil foi bem-sucedido neste objetivo e é o país da América Latina com maior nível de impostos”, observou.
Mas o economista também aponta que, nas últimas décadas, houve uma tendência geral de avaliar os resultados econômicos quase que exclusivamente em termos de crescimento do PIB, e não em termos de bem-estar da população. “Em vários casos, o crescimento econômico registrado beneficiou apenas uma parcela relativamente pequena das populações”, apontou. “Nas últimas quatro décadas, o crescimento da renda dos países foi direcionado principalmente para aqueles no topo da distribuição de renda”.
Nos últimos anos, a questão do crescimento econômico ganhou uma variável: as mudanças climáticas. “Elas geram custos que são reais, mas que tendem a ser ignorados pelas estatísticas oficiais de crescimento”, criticou Tanzi. “Elas estão criando problemas econômicos novos e difíceis de resolver, com impactos significativos”.
Dentro deste contexto, ainda não existem instituições globais com poder para frear esse processo. Os países mais ricos continuam consumindo muito mais do que os pobres e continuam tendo mais poder político dentro dos organismos multilaterais. “No último Fórum Econômico Mundial, em Davos, mais de mil pessoas viajaram em seus aviões particulares. Se é justo que os países ricos diminuam seu crescimento para controlar as emissões (de poluentes), por analogia também é justo que as pessoas mais ricas também diminuam seu consumo, já que elas realizam muito mais emissões que as mais pobres”.
Neste sentido, o Brasil tem um papel importante, dada a função que suas florestas desempenham na moderação do clima mundial – mas, enquanto os benefícios poderiam ser sentidos no mundo todo, a responsabilidade e os custos acabam recaindo somente sobre o Brasil. “Os custos totais de promover políticas que preservariam a Floresta Amazônica são arcados pelo Brasil, enquanto uma grande parte dos benefícios iriam para o resto do mundo. É natural que esse resultado reduza o incentivo do Brasil para preservar a floresta”, observou. E apesar disso, o crescimento econômico continua sendo um objetivo importante para a maioria dos países.
Tanzi finalizou sua palestra falando que não há soluções mágicas para estes problemas complexos e que o Brasil – um país maravilhoso, que ele mencionou como um dos mais bonitos do mundo – deve prestar atenção nos erros de política mencionados no início da palestra, de modo a não cometê-los.