Seminário, Mesa 3: Economistas discutem ensino de economia e gênero
Professoras destacam a importância de que o conhecimento do curso e de outras questões afeitas à economia seja levado à população – e, em especial, às mulheres
A terceira mesa de debates do seminário Economia, Formação, Mercado de Trabalho, Gênero e Diversidade, realizado pelo Cofecon no dia 11 de outubro, teve foco no ensino de economia. Questões de gênero e diversidade apareceram no debate, que teve participação das economistas Adriana Amado (UnB), Valquíria Assis (Corecon-MG), Vilma Guimarães (Corecon-DF) e Kellen Brito (UFPI).
Valquíria foi a primeira a falar e apresentou um trabalho da professora Cristiane Santos (UFOP) e da aluna Cibele Rosa sobre uma análise de gênero em universidades de Minas Gerais. “Economia é um curso muito masculinizado e o quadro de professores não é diferente. Elas fizeram uma pesquisa e entrevistaram 31 professoras”, explicou Valquíria. “Ao serem questionadas sobre as razões de entrarem para a carreira docente no ensino superior, as respostas se dividiram em dois grupos: um que já tinha o desejo de atuar na docência, e outro que teve dificuldade de inserção no mercado de trabalho”.
De um total de 31, 28 afirmaram que as oportunidades não são iguais. “Isso porque as responsabilidades atribuídas requerem tempo e dedicação e algumas delas são mães, o que dificulta a ascensão vertical e a chegada a cargos de maior prestígio”, afirmou. “As pesquisadoras chegaram à conclusão de que a igualdade de oportunidades legais na academia não reflete a realidade das mulheres economistas, que enfrentam obstáculos como discriminação em ambientes majoritariamente masculinos. É necessário denunciar as práticas sexistas que ocorrem no dia a dia acadêmico”.
Kellen Brito disse que o tema faz com que ela pense em dois momentos: o primeiro sendo a questão de gênero dentro do curso de Ciências Econômicas e o segundo o ensino da economia com um olhar de gênero. “Minha experiência é de ter, normalmente, dois terços de estudantes homens e um terço de mulheres. Nosso corpo docente se divide também em dois terços e um terço, o que demonstra que a entrada e manutenção no curso de economia tem um viés de gênero na escolha”, argumentou Kellen. “A escolha é afetada pela percepção das pessoas acerca do curso, de achar que é só matemática, ou uma matemática incrivelmente difícil. Essa é a primeira barreira de entrada, porque nós, mulheres, aprendemos desde cedo que o cérebro feminino não é suficientemente lógico ou matemático”.
Um segundo aspecto é a associação da economia com finanças – e ela brincou com o exemplo dos ‘graduados de Youtube’ que pensam que economia é apenas finanças. “Ouvimos as mulheres não são feitas para matemática, que não são feitas para finanças, que é um ambiente hostil, agressivo e que os homens teriam este espírito animal”, pontuou. “Na infância, as notas de meninos e meninas em matemáticas são iguais, e quando chega na adolescência, essa confiança social vai diminuindo”. Dentro da linha da construção social, ela questiona quem foram as autoras que suas alunas leram – quase nenhuma.
Ela também abordou a ausência de políticas de permanência nas universidades. “Na minha universidade, a política de permanência para mulheres que são mães é uma bolsa de 400 reais. Eu prefiro que guardem esse dinheiro e nos deem a creche. Não há políticas de permanência que façam com que as mulheres continuem no curso de economia quando são mães”, comentou. E falou da ausência de políticas de cotas para mulheres trans. “Para homens machistas e misóginos, as mulheres trans são de pouca ou nenhuma utilidade e elas estão sendo diariamente descartadas de maneira muito violenta pela nossa sociedade”.
Por fim, discorreu sobre a utilidade de uma economia feminista. “Há colegas que acham que não têm serventia nenhuma. A função disso é fazer com que se entenda que salário não é só produtividade, porque as pessoas não explicam por que as mulheres têm maior qualificação e menores salários”, comentou. “Não existe neutralidade. Tudo o que é dito neutro é androcêntrico, masculinista, construído por um homem que acha que o olhar dele é o único que existe. Nós estamos aqui para fazer outros olhares”.
Adriana Amado observou que a heterogeneidade no curso de economia reflete algo anterior, que é aquilo que motiva as pessoas a escolherem uma carreira. “Todos os dados dizem respeito à entrada e, uma vez dentro, quantos se formam. Supondo que não há diferenças de evasão, que eu acho que há, penso que há uma diferença de motivação, o que leva as pessoas a quererem ser economistas”, expressou. “Talvez tenhamos que fazer uma sessão de terapia na profissão para saber para onde queremos ir e como queremos ir. Saber o que queremos enquanto profissão e ao formar os estudantes”.
Ao falar sobre o mercado de trabalho dos economistas, ela observou que é um mercado bom – o que, em princípio, não representa nenhum desincentivo às mulheres. “Nessa fase de escolha de curso, elas estão preocupadas com o que elas ouvem e com o que elas são capazes de atuar dentro daquilo que é dito A economia deveria ter uma vantagem frente às demais possibilidades de profissão: ela tem uma diversidade enorme e poderia dar aos estudantes o que eles mais querem: a flexibilidade de escolher um bom mercado”.
Ao comentar a escolha de Claudia Goldin para o prêmio Nobel de Economia de 2023, ela destacou a importância do tema de estudo. Entrou no tema da maternidade e questionou: “As pessoas dizem que você ganha menos porque sua produtividade é menor porque inventou de querer ter filhos. Então a mulher deve olhar e responder: olha, se eu não tiver filhos, quem é que vai ter? Isso é um senhor problema para a sociedade. Ela está disposta a pagar por esta solução?”. Por fim, Adriana Amado defendeu a pluralidade como bandeira para os cursos de Economia.
Vilma Guimarães falou que escolheu o curso de Ciências Econômicas porque era o único que poderia cursar à noite em sua cidade. “Eu tinha 17 anos, tinha que trabalhar e era o único curso noturno que não era pago. Eu não tinha condições de ir até Goiânia. E este curso me trouxe um caminho profissional que eu sou muito grada”. Ela contou sua trajetória profissional e destacou, dando sequência à fala de diversidade da professora Adriana Amado, que é muito importante mostrar às estudantes outras áreas. “Num lugar como Brasília, que muitas pessoas vão para a área pública, eu quero falar da perícia judicial. Nós contribuímos com a economia e com a transformação social quando apresentamos laudos e pareceres estruturados”.
Vilma contou sobre uma palestra que realizou sobre o mercado de perícia para mulheres. “Fiquei impressionada com a repercussão. Muitas mulheres vieram me procurar para falar sobre as dificuldades, porque eu falei exatamente disso. Se você se emociona com alguma questão, isso ainda é visto como frescura”, comentou.
Vilma também comentou uma questão específica de sua área de atuação e ressaltou a ideia de que as pessoas precisam ter uma educação previdenciária. “Estou na área de Previdência há 35 anos. Eu percebo que 60% das mulheres não têm aposentadoria porque acreditavam na aposentadoria do marido. Ele tem uma aposentadoria pelo teto da previdência, e ela terá uma pelo salário mínimo. Essa é uma realidade nos choca. A mulher abre mão da previdência dela em função do marido”, afirmou. “Precisamos trazer para a mulher esta consciência, este conhecimento. Vejo também a questão da violência patrimonial, a mulher que construiu um patrimônio e descobriu que ele nunca recolheu contribuições para ela”.
A mesa “Ensino de Economia, Gênero e Diversidade”, terceira mesa de debates do seminário Economia, Formação, Mercado de Trabalho, Gênero e Diversidade, pode ser assistida no vídeo abaixo: