Nota de repúdio ao trabalho escravo
A identificação, pelas autoridades, de condições de trabalho análogas à escravidão em colheitas de uva para algumas empresas mostrou ao público um repugnante nível de exploração do ser humano. Ainda mais revoltante é não se tratar de caso isolado, ocorrendo em todo o país. Os séculos de trabalho escravo, legalizado e naturalizado durante todo o Brasil-Colônia e o Brasil-Império, criaram um apartheid de fato que perdura até os dias de hoje.
A abolição da escravidão, ocorrida há quase 135 anos, foi um avanço jurídico-formal, mas não proporcionou a inclusão dos libertados com geração de oportunidades, produzindo-se uma dívida social persistente para as próximas gerações. A população negra migrou para a periferia das grandes cidades e passou a viver de trabalhos eventuais, totalmente precarizados, com alguns compelidos à criminalidade.
Parte da mão-de-obra para a colonização do Sul e Sudeste, a partir do Século XIX, foi trazida de países europeus, beneficiada com vários incentivos, também para “embranquecer” nossa população. Tais processos fazem com que classes sociais e regiões brasileiras tenham cores diferenciadas, alimentando sentimentos de xenofobia entre regiões. Um avanço bem posterior, iniciado há 80 anos, foi a legislação trabalhista, alvo permanente de desconstrução sob o pretexto de modernização.
Essas conquistas jurídico-formais nunca impediram a persistência de trabalhos em condições análogas à escravidão. No setor agropecuário, pela menor ocorrência de denúncias e maior dificuldade de fiscalização, é prática mais comum. Contudo, não deixa de ocorrer em grandes cidades brasileiras, em setores como o de confecções, inclusive com imigrantes ilegais. Também é possível encontrar, atualmente em menor escala, os chamados “criados”, trabalhadores domésticos sem remuneração trazidos do interior a título de “caridade”.
Em que pese se tratar de uma questão estrutural, a desregulamentação dos mercados e minimização da atuação do Estado contribuíram com a manutenção e até a expansão dessas condições desumanas. A última reforma trabalhista, a incorporação do Ministério do Trabalho pelo Ministério da Economia e a redução da capacidade de fiscalização das relações de trabalho favoreceram a elevação dessa forma intolerável de exploração.