Maria de Fátima Miranda: Questionadora e persistente
Por Renata Reis
“Meu pai sempre foi muito exigente e, por conta das circunstâncias da vida, eu não tinha a opção de não ser aprovada no meu primeiro vestibular”. As palavras da conselheira federal Maria de Fátima Miranda mostram o desafio enfrentado por ela com a qual muitos estudantes podem se identificar. Ao prestar o vestibular, escolheu Ciências Econômicas ao acaso e, apesar de no início não saber como relacionar o que aprendia nos bancos da universidade com o que viria a ser o mercado de trabalho, aprendeu a questionar e não se acomodou. Durante os primeiros anos da graduação, Maria de Fátima pedia aos professores para organizar visitas de campo, sempre com o objetivo de aliar teoria e prática ao seu aprendizado. Assim, entendeu, colocando a mão na massa, o papel do economista no combate à desigualdade social, no crescimento das pessoas e do próprio país.
Ela inverteu os papéis e se tornou professora da Universidade Estadual de Ponta Grossa para abrir portas aos estudantes e, por consequência, se tornou inspiração na academia e na família. Foi presidente do Conselho Regional de Economia do Paraná (Corecon-PR) por três gestões e é coordenadora da Comissão de Perícia Econômico-Financeira do Conselho Federal de Economia (Cofecon).
Nesta entrevista à revista Economistas, a conselheira federal Maria de Fátima conta como surgiu o interesse em cursar Economia, os desafios durante sua jornada acadêmica e como fez para superá-los. “Para ser economista, não basta ter inteligência, ser analítico e ter senso crítico; também é preciso ter inteligência emocional, questionar e ser persistente”, ressaltou.
Revista Economistas: Como surgiu o seu interesse pelas Ciências Econômicas e quais os maiores desafios enfrentados durante a graduação?
Maria de Fátima: Meu interesse pela economia surgiu durante o curso. O primeiro ano foi bastante complicado para mim, porque as disciplinas não tinham tanta relação com o mercado de trabalho, por não serem tão transformativas e sim introdutórias. Meu desafio inicial era, então, relacionar o curso ao mercado de trabalho – o que penso que seja um desafio de alunos de outros cursos também. Depois do primeiro ano, eu passei a entender melhor o quanto aquelas matérias eram importantes para minha formação e o quanto elas me capacitariam para atuar em diferentes atividades.
No segundo ano, era mais fácil perceber o conteúdo que estava diretamente relacionado ao mercado de trabalho. No terceiro ano, eu estudei “Mercado de Capitais”, que se chamava na época “Economia Monetária”. Ali, ainda em estágio inicial da minha formação, eu vi que eu poderia trabalhar em corretoras, bancos ou bolsa de valores. Em “Elaboração e Análise e Projetos”, compreendi que o curso trazia também matérias práticas. E tudo isso só foi possível a partir de meu perfil questionador e interessado. Inclusive, compartilho aqui uma experiência que marcou bastante esse período de estudos. Sugeri a um dos professores que organizasse uma visita da turma ao Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), – banco que envolve os estados do Paraná, de Santa Catarina, do Rio Grande do Sul e de Mato Grosso do Sul. Na oportunidade, nós conversamos com os economistas que estavam aplicando na profissão aquilo que eles aprenderam no curso. Essa experiência fez com que a turma sugerisse novas visitas, que aconteceram ao longo da graduação.
R.E: Quais papéis foram desempenhados por você, enquanto presidente e conselheira do Corecon-PR, para contribuir na formação de novos economistas?
M.F: Depois de formada, desde os primeiros anos de minha trajetória profissional, eu entendi o valor do meu curso e de tudo que havia aprendido na Universidade. E quando atuei no Corecon-PR, conheci o importante elo entre Conselhos Regionais e a Academia. No meu caso, além da atuação no Conselho, eu já trabalhava como professora. Com isso, pude apresentar aos meus alunos a relação disciplinas do curso e o mercado de trabalho.
Além disso, ao lado do então vice-presidente do Corecon, Eduardo Garcia, que trabalhava no BRDE, o banco que visitei como estudante, iniciamos o projeto de visitar escolas de ensino médio e falar de economia. Estreitamos também o contato com os coordenadores dos cursos de graduação e assim conseguimos ter voz dentro do curso nas universidades do Paraná, por meio da realização de palestras sobre mercado de trabalho para o economista.
O projeto foi um sucesso! Com isso, os alunos conheceram de perto, por meio do contato com profissionais que já atuavam na área, caminhos a seguir. A partir do nosso contato também, os alunos perceberam a importância de cobrar mais disciplinas.
Já como professora, trabalhei mesclando em sala de aula teoria e prática. Em Microeconomia, por exemplo, abordava com os meus alunos pontos importantes para que eles conseguissem perceber a aplicação do aprendizado em um futuro trabalho.
R.E: A graduação também é um momento descobertas e desenvolvimento pessoal. Neste sentido, quais os obstáculos você tem mais orgulho de ter superado?
M.F: Eu era extremamente tímida e, por conta disso, deixei passar oportunidades de aprender mais e contribuir com o debate. Como superei o desafio da timidez? Bom, frequentemente eu me perguntava: “o que está acontecendo comigo? Por que eu não coloquei para turma o meu questionamento?”. À medida que eu me questionava e percebia que sim, eu tinha que ter falado. Com isso, fui me superando. As mudanças não acontecem de um dia para o outro, mas penso que ser questionadora, inclusive comigo mesma, contribuiu enormemente para minha formação.
Outra dificuldade pessoal que precisei enfrentar foi aceitar os meus erros. Até hoje fico desolada quando erro. Mas aprendi que é reconhecendo o ‘não acerto’ é que aprendemos a acertar. O duro é que a correção normalmente vem em tom de crítica e aceitar ser corrigida e, de certa forma, criticada, também foi um desafio. Hoje, agradeço às pessoas que tiraram tempo para me ensinar, me corrigir, e até criticar alguns dos meus posicionamentos. Com elas eu cresci e me tornei a pessoa e a professora que eu fui durante 32 anos.
R.E: Como a senhora vê o ensino da economia hoje? O que precisa ser valorizado pelos estudantes para que eles se tornem bons profissionais quando entrarem no mercado trabalho?
M.F: Não tenho medo algum de falar que o curso de economia é para mim muito completo e até mais abrangente que administração e contabilidade. Ressalto aqui a importância que as disciplinas das duas áreas, oferecidas na grade as Ciências Econômicas, têm na formação acadêmica e profissional, seja quando aprendemos análise de balanços ou quando a microeconomia é ofertada por um professor de outra área de formação. Assim, minha recomendação aos alunos é uma só: aproveitem o curso porque ele é muito bom. Na mesma linha, aproveitar não significa receber tudo pronto, mas sim estudar temas de interesse, se dedicar à leitura de material extra, perguntar aos professores e profissionais da área como aprender mais, ler a bibliografia sugerida e ir além. No banco da Universidade nos deparamos com o velho hábito da terceirização de responsabilidades: “O professor não me passou”. Minhas perguntas como professora são: Como você é como aluno? Como é a sua participação?
O estudante aprende indo buscar aquilo que necessita. Os cursos oferecem condições plenas de você buscar o seu mercado de trabalho. Dependendo da área, você busca a especialização, o mestrado, o doutorado. Mas é a graduação que abre portas e janelas para você começar a enxergar.
R.E: Na sua opinião, por que precisamos cada vez mais de novos economistas principalmente no cenário em que vivemos, com crescente desigualdade, inflação, desemprego e outros problemas que são da área de atuação do economista?
M.F: Quem sabe o que o economista faz são os outros economistas. Em minhas palestras, eu sempre usava um exemplo muito prático sobre a atuação do profissional em diferentes áreas: quando criança, os pais lhe presenteiam com uma casinha, e assim as meninas já internalizam o papel de dona de casa; na sequência vem a lousa, e a criança se identifica com o papel de professora; quando você pensa que não ganha um estetoscópio do médico. Assim, as chamadas profissões tradicionais entram naturalmente na rotina. Por outro lado, você não vê crianças brincando de ser economistas, trabalhando para combater a alta dos preços ou contra a desigualdade. Com isso, professores e membros do Sistema Cofecon/Corecons têm juntos um importante papel, que é mostrar à sociedade o que fazem os profissionais da área e assim atrair mais pessoas dispostas a trabalhar por desenvolvimento com inclusão.
Entre minhas atividades, desenvolvi um projeto na extensão que inicialmente levava o nome de Promicro (Programa de Auxílio à Micro e Pequena Empresa), e que depois evoluiu para Prodenge (Programa de Desenvolvimento Gerencial). Os objetivos do Prodenge eram envolver professores, alunos e empresários para apresentação de diagnóstico econômico e financeiro, no intuito de auxiliar o empresário na manutenção de seu negócio. Por outro lado, ressaltávamos a importância daquele empresário na geração de emprego e renda. Este é um exemplo de interferência do economista no mercado de trabalho. Graças a esse projeto, consegui mais uma profissão – que mantenho até hoje – como consultora econômico-financeira.
Outro exemplo da atuação do economista e da necessidade de formarmos mais e mais profissionais está ligado à economia solidária. Eu administrava um centro de pesquisa econômico-financeira e lá acolhi a Incubadora de Empreendimentos Solidários (IESOL), desenvolvido e coordenado por minha aluna e, hoje, amiga, Manuela Salau Brasil. A IESOL tem como objetivo fomentar, organizar e consolidar empreendimentos econômicos solidários (EES) na região de Ponta Grossa e dos Campos Gerais. Atualmente trabalham com empreendimentos de segmentos como artesanato, separação e triagem de material reciclável, jardinagem, assentamentos rurais, agricultores familiares, entre outros. Manuela é economista. Eu sou economista. Essa é a atuação do economista na tentativa de reduzir a desigualdade social e incentivar o emprego e a renda.
R.E: De que forma podemos atrair mais jovens para a economia, principalmente nesse papel do economista no desenvolvimento com justiça social?
M.F: Por meio de palestras, cursos e programas apresentamos o papel do economista como cientista social. Muitas vezes as pessoas pensam que vão cursar economia para trabalhar, investir em bolsa de valores e ficar rico. Só que essas pessoas se esqueceram que temos uma responsabilidade social muito grande. No Cofecon, por exemplo, contamos com o GT de Responsabilidade Social e Economia Solidária que reúne profissionais e iniciativas em prol do desenvolvimento com justiça social. Realizamos oficinas e palestras, reunimos profissionais com os mesmos objetivos, divulgamos premiações. Tudo isso para mostrar aos jovens estudantes e à sociedade a importância deste trabalho.
Para ler a entrevista na íntegra, acesse a edição de setembro da Revista Economistas: