“O investimento público é estratégico”, concluem economistas no Cofecon
O papel do Estado e dos gastos públicos foi tema do Economia em Debate, que discutiu “Por um novo arcabouço fiscal”, realizado pelo Conselho Federal de Economia, na sexta-feira (27), com as participações como convidados de Felipe Salto, Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo; Igor Rocha, economista-chefe da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo; e ainda de Antonio Corrêa de Lacerda, presidente do Cofecon; Paulo Dantas da Costa, vice-presidente da Autarquia; e do conselheiro federal Fernando de Aquino Fonseca Neto. Estiveram presentes também os conselheiros federais, membros do Corecon-SP e do Sindecon-SP.
Crítico ao teto de gastos desde o seu anúncio, Lacerda, em sua fala, chamou a atenção para a falsa dicotomia entre o investimento público e privado, considerando principalmente o papel do Estado em setores que favorecem o desenvolvimento e geram riquezas para o País. “Existe um efeito multiplicador no gasto público e um efeito demonstração para o setor privado”, afirmou. Além disso, apontou para o problema de o país contar com investimentos estrangeiros para suprir necessidades internas. “Nos países que investem muito em relação ao PIB, o investimento estrangeiro direto raramente passa de 10 ou 15%. Ou seja, 85% do investimento realizado no mundo é de origem doméstica”, apontou o presidente do Cofecon.
Felipe Salto, em sua exposição, destacou: “O Estado brasileiro nunca investiu tão pouco. Em 1973, investia 11% do PIB. Hoje investimos 1%. O setor privado também nunca investiu tão pouco. Enquanto não tivermos uma política de investimento digna desse nome, não vamos ter um crescimento digno desse nome”, argumentou Salto. “Um segundo passo é a revisão periódica do gasto público, feita a sério, usando econometria, usando a expertise dos economistas, para escolher ano a ano os conjuntos de políticas públicas que serão avaliados”.
Igor Rocha destacou o crescimento econômico de apenas 0,5% nos últimos 10 anos, que comparativamente ao da chamada década perdida, 1980, que foi de 1,5%, e ao período de 1950 a 1970, que registrou 7% de crescimento. “Hoje investimos 1,7% do PIB, o que não repõe sequer a depreciação dos ativos. Tínhamos um estoque de estrutura similar ao da Inglaterra, 55% do PIB, e agora temos 36%, número similar ao da África do Sul”, argumentou.
Ao falar sobre o investimento de países em infraestrutura, Rocha citou que a China investe 15% do PIB, o Chile 5%, a Bolívia 4% e a Argentina 3%. Afirmou também que o setor público e o privado precisam caminhar juntos porque não são antagônicos. “Por “demonizar” o Estado, perdemos a capacidade de crescer”, argumentou. E criticou o teto de gastos, uma vez que o ajuste se fez no gasto discricionário enquanto os gastos correntes foram mantidos de forma inadequada. “O teto de gastos já virou um animal estranho. As emendas 109, 113 e 114 já o deixaram de forma torta”.
Para Fernando de Aquino, o teto de gastos é uma medida muito mais ideológica do que necessária ou competente. “Se o PIB crescer, ou se aumentar a população, aumenta a necessidade de gastos públicos, mas nem uma coisa nem outra é contemplada pelo teto de gastos”, afirmou.
Investimento e planejamento caminham juntos. Assim, Salto destacou a importância do planejamento – algo que, segundo ele, está abandonado no Brasil. “Havia a ideia de que com o Plano Real, a estabilização monetária iria magicamente garantir o crescimento econômico. Não garantiu. Estamos semiestagnados desde 1995”, comentou Salto. “Nossa renda per capita é apenas uma fração da dos países desenvolvidos, a desindustrialização segue a pleno vapor, as regiões menos desenvolvidas continuam sendo menos desenvolvidas”.
O plano fiscal de médio prazo foi abordado por Salto – algo que ele, como novo secretário da Fazenda, sugeriu ao governador Rodrigo Garcia. “Ele estaria vinculado ao processo de elaboração do orçamento. Hoje a lei orçamentária anual é onde se dá a disputa por 7% do orçamento público, já que 93% da despesa é obrigatória, não remanejável”, apontou. “O plano seria baseado em cenários fiscais e econômicos tratados de forma independente, por um time técnico, com a academia, o governo, o poder Legislativo, e a partir deste cenário teríamos um cálculo prospectivo de quanto seria o espaço orçamentário ano a ano para poder planejar os investimentos”. Tal como Salto, Rocha destacou a necessidade de planejar e afirmou que “o crescimento não é uma geração espontânea”.
Paulo Dantas da Costa, vice-presidente do Cofecon, abordou a questão fiscal do lado da receita, afirmando que “existe um receio de se cobrar tributos de quem pode pagar. E quem pode? Os ricos. Temos um modelo muito assentado no ICMS. Poderíamos tributar as altas rendas e o estoque de patrimônio”, destacou.
Salto comentou ainda que a discussão sobre responsabilidade fiscal foi muito autocentrada e abordou a necessidade de atuação conjunta dos setores público e privado. “Esta coalizão é fundamental para que se tenha a orientação do Estado para o investimento produtivo e o crescimento necessário num nível para reduzir desigualdades e promover bem-estar social”, finalizou.
Já Aquino apontou que as regras fiscais precisam ter horizontes de curto e de longo prazo, enquanto hoje há muita ênfase no curto prazo. “Os gastos precisam ter a função de suavizar o ciclo, para não haver pressão inflacionária nem desemprego. A política monetária sozinha não dá conta. A política fiscal é muito importante para isso”, comentou.
A mediação do Economia em Debate foi feita por Idiana Tomazelli, repórter de economia do jornal Folha de S. Paulo, que se ocupou também de arguir com propriedade os participantes do evento, o que o tornou ainda mais interessante.
O debate pode ser assistido na íntegra AQUI.