Vera Rita Ferreira fala sobre finanças comportamentais: “Somos emocionais”
“Psicologia econômica e economia comportamental” foi o tema abordado pela psicóloga Vera Rita de Mello Ferreira no XXIV Congresso Brasileiro de Economia. Ela é uma estudiosa da área há quase três décadas e apresentou uma palestra bastante rica, com muito conteúdo. Embora o campo de estudos tenha se desenvolvido em décadas recentes, ele não é novo: o jurista francês Gabriel Tarde falou em “psicologia econômica” em 1881, num periódico de filosofia. O termo “economia comportamental” vem dos anos 80, enquanto na década seguinte passou-se a falar em “finanças comportamentais”. Com a virada do milênio ganhou corpo o estudo das neurociências e, mais recentemente, Daniel Kahneman propôs o nome de “ciências comportamentais aplicadas”.
A área encontra-se em expansão e possui ampla literatura disponível. A palestrante falou sobre diversos livros, inclusive o Guia de Economia Comportamental e Experimental, organizado por Flávia Ávila e Ana Maria Bianchi e publicado com apoio do Cofecon. Citou também alguns de seus próprios livros, como Psicologia Econômica, A Cabeça do Investidor e Decisões Econômicas.
O que a economia comportamental estuda? A influência recíproca entre a economia e a vida das pessoas, o comportamento econômico e a tomada de decisões, as anomalias – “aquilo que a economia tradicional fala que não dá pra entender e que é uma exceção que não cabe no modelo. Então nós falamos: oba, nós vamos tentar entender mais a fundo”, comentou Vera Rita – e as limitações cognitivas e emocionais. Entre os comportamentos econômicos estão as atitudes e decisões quanto a comprar, poupar, investir, presentear, pagar impostos, ter filhos, fazer apostas e até mesmo roubar um carro. “Às vezes se afasta um pouco daquilo que tradicionalmente é entendido como comportamento econômico. Analisamos outras questões que também envolvem recursos finitos”, explicou.
A psicóloga citou mais de vinte linhas de pesquisa, que vão desde o comportamento de contratação de seguros até a poupança, passando por questões do envelhecimento (quando a parte cognitiva fica comprometida e como isso afeta as decisões econômicas), meio ambiente e sustentabilidade e até motivação para o voluntariado. “Minha dissertação de mestrado foi sobre o lado emocional associado à experiência de inflação muito alta e depois. Muita gente descarrilhou porque estava acostumada a fazer transações apenas no ambiente inflacionado”, afirmou Vera.
Em seguida, ela tratou de quatro ganhadores do prêmio Nobel de economia: Herbert Simon, em 1978, que argumentou que o ser humano não é plenamente racional; Daniel Kahneman em 2002, psicólogo que realizou pesquisas junto a Amos Tversky, que tratou da heurística e vieses (ao simplificar o processo de avaliação, você corre o risco de cair em erros sistemáticos que chegam a ser previsíveis, o que se contrapõe à teoria da utilidade esperada); Robert Shiller, em 2013, um estudioso do mercado financeiro e bolhas que aborda a psicologia da macroeconomia, área menos desenvolvida que a psicologia da microeconomia; e Richard Thaler, em 2017, considerado o pai da economia comportamental e um dos pais da arquitetura da escolha. “Essa área é uma espécie de marketing do bem, porque o marketing já faz isso há muito tempo, mas não para beneficiar as pessoas e sim para fazê-las comprar. A área já está sendo adotada por governos preocupados com o bem-estar da população”, comentou.
A economia comportamental parte da premissa de que as decisões (econômicas, financeiras ou outras) frequentemente apresentam inconsistências e não podem ser explicadas de acordo com a teoria da racionalidade. “A teoria da racionalidade diz que nós aprendemos, que as escolhas são consistentes e que analisamos os resultados. Quem dera fosse assim. Não veríamos pessoas endividadas nem o meio ambiente sendo devastado, nem pessoas comprando por impulso”. Quanto ao ato de poupar para a aposentadoria, Vera explicou que “a área do cérebro que é mobilizada quando guardamos dinheiro para nós mesmos no futuro é a mesma área mobilizada quando damos dinheiro a um estranho no meio da rua. Não temos ainda desenvolvimento mental suficiente para incorporar de verdade a ideia de que vamos viver muito”.
Ao falar sobre as origens da economia comportamental, a palestrante apontou para Adam Smith e seu livro Teoria dos Sentimentos Morais (1759). “O próprio Thaler disse que falar em economia comportamental é um pleonasmo, porque não tem economia que não seja comportamental. Daqui a pouco vai ser só economia e pronto”, acrescentou a psicóloga. Em seguida, falou sobre pensadores como Wilhelm Wundt, Gabriel Tarde, Thorstein Veblen e George Katona – este último inaugurou a era das grandes pesquisas com o índice de sentimento do consumidor. “O governo americano queria entender o que iria acontecer no pós-guerra, com receio de uma nova depressão e medo de que as pessoas entesourassem seu dinheiro. Ele fez a pesquisa e veio com uma notícia que contradizia os economistas da época: vai haver um boom de consumo. E houve”.
Vera colocou um questionamento: o ser humano é racional ou irracional? “Não somos nem uma coisa nem outra. Somos emocionais”, exclamou. E citou alguns exemplos. Perguntou que nota as pessoas dão para sua satisfação com a vida e depois perguntou se alguém namorou no último mês. “Não há uma correlação entre as respostas. Mas se inverter a ordem das perguntas, adivinhe o que acontece: quem namorou dá uma nota mais alta; quem não namorou dá uma nota mais baixa”, afirmou. “As pessoas que encontravam uma moeda de 25 centavos em cima de um balcão de xerox davam uma nota mais alta para a satisfação com a vida. Pergunte a qualquer um se ele ficará mais feliz por ganhar 25 centavos. Ninguém dirá que sim. Mas, no entanto, ficam”.
Ao falar das escolhas, deu um exemplo com duas opções para um lanche: banana e chocolate. Se o lanche for daqui a 7 dias, cerca de 70% das pessoas escolherá a banana e apenas 30% escolherão o chocolate. Mas se o lanche for agora, as escolhas se invertem. “A pessoa diz que vai ser só agora, e inventa desculpas: eu mereço, estou cansado, na semana que vem eu como a banana. Se as pessoas têm prazer, isso é decisivo para as escolhas. No curto prazo e no inconsciente”, explicou a palestrante. E usou a ironia para dar outro exemplo de como as pessoas escolhem: “Se vier algo do jeito que eu desejo, como música para os meus ouvidos, tal como uma pirâmide financeira, isso é tudo de bom, então eu quero”.
Por último, Vera falou de como a psicologia econômica pode contribuir para o desenvolvimento do país. “Se estudamos comportamento e mudança de comportamento, isso é importante para as políticas públicas”. E citou cinco áreas: insights psicológicos, políticas públicas e educação, arquitetura das escolhas, proteção do consumidor e regulação/supervisão (com sanções, quando necessário). Recomendou a leitura de três cartilhas publicadas pela Comissão de Valores Mobiliários (vieses do poupador, vieses do investidor e vieses do consumidor, disponíveis em PDF na internet e com supervisão da própria palestrante). E finalizou: “Vamos trabalhar juntos buscando construir um país mais sustentável e inclusivo? Então, bem-vindos à área”.