O programa tem um impacto econômico expressivo. São cerca de US$ 400 bilhões de compras do governo federal, montante que pode ser significativamente ampliado para alguns trilhões, se vier acompanhado de investimentos voltados para combater os efeitos da crise da pandemia. Uma vez adotado, terá impactos significativos, considerando seu efeito multiplicador para a atividade econômica como um todo e a geração de empregos.
A iniciativa é acompanhada de perto pelos parceiros comerciais dos EUA, pois na prática poderá significar restrições de acesso de exportadores ao mercado. Na verdade, embora haja limitações de restrição de mercados anteriormente assumidas pelos norte-americanos na Organização Mundial do Comércio (OMC), sempre há brechas para a adoção de alguma forma de protecionismo.
Proteger mercados domésticos, exigir conteúdo nacional e outras medidas de cunho protecionista podem parecer uma contradição para um país tido como liberal do ponto de vista econômico. Mas sempre houve uma enorme distância entre o discurso liberalizante e a prática intervencionista.
Alexander Hamilton, primeiro secretário do Tesouro norte-americano (1789-1795), foi um dos principais formuladores de políticas protecionistas de estímulo de desenvolvimento da indústria manufatureira nos EUA. Seu trabalho Reports of the Secretary of the Treasury on the subject of manufactures (1791) trouxe muitos conceitos e análises defendendo a proteção a indústrias nascentes, posteriormente aprofundados por Friedrich List (1789-1846), especialmente no seu livro The National System of Political Economy (1841).
A partir desses princípios, com idas e vindas políticas e econômicas, as políticas públicas norte-americanas jamais deixaram de fazer uso de instrumentos de fomento para viabilizar e desenvolver a sua indústria, num conceito mais amplo, integrada à agricultura e aos serviços. Toda essa experiência de desenvolvimento, tanto dos EUA como de muitos países hoje entre os mais ricos, está fartamente documentada. Não se trata de sugerir imitar a sua trajetória, mas de levar em conta mais a prática do que o discurso no tocante às decisões de políticas a serem adotadas.
A grande lição para o Brasil é de que não se deve abrir mão dos próprios interesses em prol de uma aparente modernidade. Mais ainda pelo fato de sermos uma nação com enormes desafios pela frente, cujas debilidades se agravaram na pandemia.
É preciso conduzir as políticas de desenvolvimento com foco nas oportunidades a serem geradas. Limitações autoimpostas, como o teto de gastos (EC95), por exemplo, têm de ser revistas, considerando as necessidades que se apresentam. Da mesma forma, uma eventual abertura comercial deve levar em conta o desafio de reverter a desindustrialização em curso.
Para além da reversão do retrocesso na área, é imprescindível integrar de outra forma nossa atividade produtiva aos preceitos da indústria 4.0, da nanotecnologia, da internet das coisas e da tecnologia 5G. São enormes desafios, mas o Brasil conta, além da sua tradição industrial, com economias de escala e de escopo para enfrentá-los.
Isso, no entanto, não ocorrerá de forma automática, apenas contando com as forças do mercado, embora estas devam fazer parte, obviamente, da estratégia. É necessário um claro projeto de desenvolvimento, no qual estejam explícitos os papéis tanto das unidades federativas como das empresas, dos trabalhadores e dos institutos de pesquisa e sua relação com a universidade.