Artigo – Fome no DF
Por Júlio Miragaya – Doutor em Desenvolvimento Econômico Sustentável, ex-presidente da Codeplan e do Conselho Federal de Economia. Artigo publicado originalmente no Bsb Capital.
A fome sempre foi um problema crônico, no Brasil e no mundo. Já na década de 1950, o médico e geógrafo pernambucano Josué de Castro, em seu notável “Geografia da Fome”, denunciava que o problema da fome no Brasil (e no mundo) era estrutural, ou seja, o não acesso de milhões de brasileiros ao alimento derivava de nossa estrutura social extremamente desigual. De fato, não se trata de falta de capacidade de produção ou de terras para cultivo. Agora em 2020 o Brasil está colhendo a maior safra de grãos de sua história, mais de 250 milhões de toneladas, mas nada menos que 85% do total vão para exportação ou para ração animal. A área plantada com arroz, feijão e mandioca, alimentos básicos do brasileiro, vem caindo a cada ano, substituídas por área plantada com soja, milho e cana-de-açúcar. Isto explica os absurdos aumentos nos preços desses alimentos essenciais, notadamente o feijão e o arroz.
O Brasil tinha, segundo a FAO/ONU, saído do mapa da Fome em 2014, ou seja, não tinha ainda acabado com a fome no país, mas tinha reduzido substantivamente a dimensão do problema. Hoje, o Brasil do neoliberalismo, após anos de estagnação/retração econômica, que resultaram em enorme aumento do desemprego e do subemprego e subsequente queda da renda, associados a aumentos “criminosos” nos preços dos alimentos básicos, geraram um súbito e absurdo aumento no número de brasileiros em situação de fome.
A Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), realizada pelo IBGE, revelou que a fome atinge hoje a quase 15 milhões de brasileiros. E nem a unidade da federação mais rica, o nosso DF, escapa: nada menos que 207 mil famílias (22% do total) apresentam algum grau de insegurança alimentar. O mais grave é que 49 mil famílias (cerca de 200 mil brasilienses) se encontram no grau de maior gravidade, ou seja, chegam a passar 24 horas do dia sem se alimentar, inclusive as crianças. Se considerarmos nosso Entorno Metropolitano, este contingente no mínimo dobra.
Em 2014, último ano do governo petista na cidade, eram 14 mil famílias. Nesses últimos anos o contingente de famélicos aumentou nada menos que 250%, enquanto a população total aumentou 11%. Como agravante, o DF alcançou 205 mil contaminados pela COVID-19, com 3,6 mil mortos. Dá para se falar em normalidade?
Tenho falado muito nesta coluna sobre a desigualdade como o problema maior da sociedade brasileira. Nesta semana tivemos uma notícia inacreditável: uma família paulista remeteu para o exterior a “módica” quantia de R$ 50 bilhões (isso mesmo). O mais estarrecedor é que recolheu apenas R$ 2 bilhões de tributo (apenas o ITCM), ou seja, meros 4%, isenta que é do Imposto de Renda. Um trabalhador com renda de 3 SM recolhe muito mais de impostos. Precisa falar mais alguma coisa?
*O artigo traz a visão do autor e não necessariamente expressa a opinião do Cofecon.