Fórum Nacional pela Redução da Desigualdade Social discutiu reestruturação da seguridade social e da educação

No dia 14 de dezembro foi realizado em Brasília o seminário Reestruturação da Seguridade Social e da Educação. O evento teve lugar no auditório da Fecomércio e foi promovido pelo Fórum Nacional pela Redução da Desigualdade Social. O Cofecon realizou uma transmissão ao vivo em sua página no facebook e o vídeo está disponível na íntegra.

Reestruturação do sistema de proteção social

O evento foi dividido em duas mesas. A primeira delas, realizada pela manhã, teve como tema “Reestruturação do sistema de proteção social” e foi coordenada pela economista Maria Cristina de Araújo.

O primeiro a falar foi Guilherme Delgado, doutor em Economia pela Unicamp. Delgado falou sobre o sistema de seguridade social e sua importância desde a tradição judaico-cristã até a Constituição de 1988, que buscou universalizar o acesso à seguridade social. “Mas desde 1994, foram nove emendas constitucionais tratando do assunto, todas elas restritivas ao financiamento da seguridade social”, afirmou, mencionando algumas delas, como a Desvinculação das Receitas da União (DRU). Delgado também ressaltou que a crise iniciada em 2014 trouxe prejuízos ao financiamento da seguridade e que esta, devido às suas fontes de financiamento, depende muito do ciclo de consumo e emprego formal. Por fim, trouxe seis propostas para o sistema: revogar a Emenda 95; mudar a base de incidência da CSLL, para incluir lucros e dividendos; dar condições equânimes aos que são credores e devedores públicos (sendo que os últimos são contemplados com programas de refinanciamento); transformação de acordos de leniência quanto a ilícitos financeiros em tributo que financie a seguridade social; trocar penas de detenção por multas; e tributar as grandes fortunas.

Milko Matijascic, também doutor em Economia pela Unicamp, falou sobre previdência e assistência social. Iniciou sua palestra diferenciando uma reforma paramétrica (que muda as regras de acesso aos direitos previdenciários) de uma reforma paradigmática (que muda o modelo de benefício). Contextualizou o modelo chileno, indicando que estas reformas também foram realizadas em outros países, mas que em muitos casos elas já estão sendo desfeitas. Em vários destes casos os custos de gestão aumentaram, houve perda de cobertura previdenciária, os custos de transição foram mais altos que o previsto e o nível de poupança agregada na economia não aumentou. “No Chile não há contribuição patronal. Apenas a contribuição do segurado”, acrescentou Matijascic. “Aumentou de quatro a cinco vezes o índice de suicídio de idosos, acostumados com um padrão de vida, mas que chegam de forma precária à aposentadoria. Em 60% dos casos, não chegam ao salário mínimo”.

Carlo Zanetti, graduado em odontologia e doutor pela Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Osvaldo Cruz, tratou da questão da saúde, traçando um paralelo entre o desenvolvimento dos sistemas de bem-estar no Brasil e no mundo. Caracterizou uma onda neoliberal vivida pelo país, que vem restringindo direitos previstos na Constituição de 1988. Apontou também para a tendência de privatização do sistema de saúde, fazendo o setor privado crescer tanto pelas aquisições quanto pela ocupação de espaços dentro do próprio sistema. “Este utilitarismo econômico em nada incomoda os seus formuladores quando ele resulta em ataques à democracia e aos direitos sociais. A emenda 95 é um dispositivo constitucional para evitar políticas keynesianas, sem investimentos para garantir uma economia de pleno emprego, e isso na área da saúde tem um impacto nefasto”. Zanetti também apontou para a volta do crescimento na mortalidade infantil, depois de décadas, e afirmou que nossa sociedade desvaloriza o homem comum e valoriza a desigualdade.

Coube ao economista Clóvis Scherer, do Dieese, fazer uma síntese do debate. Scherer acrescentou um dado sobre o modelo chileno de previdência: “Conversei com um colega que assistiu à palestra de um especialista chileno, que falava que a poupança arrecadada pelas AFPs, as entidades que dominam o sistema de previdência no Chile, muitas vezes é aplicada em ativos localizados fora do Chile. Não contribui sequer com o financiamento produtivo do país”.

Reestruturação do sistema de educação pública

No período da tarde foi realizada a segunda mesa de debates, que teve como tema a reestruturação do sistema de educação pública e foi coordenada pela conselheira Regina Pedroza, do Conselho Federal de Psicologia.

A primeira palestrante foi a pesquisadora Natália Duarte, da Universidade de Brasília, pós-doutora em política social. Natália apresentou dados dos investimentos em educação, mostrando que apesar do crescimento havido nos últimos anos, o orçamento ainda é insuficiente para atender às necessidades do Brasil. Apontou que as responsabilidades da União, estados e municípios são bastante desiguais, assim como os orçamentos. “Com a crise de 2008, o capital se volta ao fundo público. E atacando o fundo público, ataca as políticas sociais. O restante do fundo público já é comprometido com o capital. Faltava atacar aquilo que era salvaguardado e consensuado mundialmente, que são os recursos para as políticas sociais, que são a forma de minimizar as condições abjetas de vida causadas pelas políticas sociais”. No caso da educação, isto ocorre de formas que vão desde as desonerações fiscais até as privatizações, passando pela competição predatória com a educação pública.

Financiamento

E o ponto principal da fala da Duarte está na questão da apropriação dos recursos públicos por este avanço da financeirização e da voracidade do capital, o chamado capital improdutivo, em cima dos recursos da sociedade. No caso da educação, em cima dos recursos financeiros, seja através das mais diferentes formas de apropriação destes recursos, que vão desde as desonerações fiscais até a privatização, e outras formas de e uma competição predatória com a escola pública, que traz em si não apenas a disputa por clientes, vamos dizer assim, mas uma disputa ideológica, de formação, da visão de mundo, individualismo, competitivo, os outros expositores retrataram com maior profundidade.

O psicólogo Paulo Maldos, conselheiro do Conselho Federal de Psicologia, ex-Secretário Nacional de Articulação Social e ex-Secretário Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos (ambos na Secretaria Geral da Presidência da República), falou sobre a garantia de pluralismo e liberdade no sistema. Maldos iniciou sua fala apresentando a diversidade da sociedade brasileira, mostrando-a como uma grande riqueza nacional. “Isso provoca apreensão, principalmente do lado que quer padronizar os comportamentos e pensamentos”, apontou o psicólogo. Maldos também afirmou que os povos indígenas e quilombolas foram vistos durante muito tempo como se fossem despojados de sua história e seu território, devendo integrar-se à sociedade. Falou sobre a importância da democracia e de aprender com diferentes experiências educacionais e culturais.

A pesquisadora Maria Luiza Pereira, mestre em educação pela Universidade de Brasília, falou sobre educação e cultura popular. Começou falando sobre a evolução da consciência humana e da complexidade e dinamismo dos ambientes em que vivemos. “A discussão da desigualdade social tem que ter uma perspectiva estratégica de um processo de transição da sociedade capitalista para uma sociedade socialista e nós, não sei por quê, deixamos de conversar sobre isso”, afirmou. Caracterizou o individualismo como ideologia que sustenta o capitalismo, mas colocando que o indivíduo continua sendo o principal foco de interesse de quem luta contra a desigualdade. “O que está em jogo é uma disputa de dois projetos: um da colonização capitalista portuguesa, onde houve uma invasão de terra e não um descobrimento, a dominação dos povos indígenas, a escravidão dos africanos e as apropriações e saques das nossas riquezas, continuada com o avanço imperialista dos Estados Unidos, com uma colonização cultural e ideológica. Desde 2002 Lula assustou a elite do atraso e o capitalismo internacional”.

Gilson Duarte, conselheiro do Conselho Regional de Economia do Distrito Federal, foi o responsável por sintetizar o debate. “Os expositores fizeram um verdadeiro milagre em reduzir temas tão complexos a meia hora”, afirmou Gilson. “Trabalhamos com a desigualdade, mas a desigualdade não tem uma causa única, uma consequência única, é um processo interativo. A desigualdade gera desigualdade, e principalmente no caso do Brasil, vivemos numa sociedade mais do que desigual, uma sociedade bastante injusta”.

Encerramento

Ao final do evento, o presidente do Cofecon, Wellington Leonardo da Silva, destacou a importância do debate. “Ao final de mais uma etapa de debates, eu quero agradecer a colaboração dos professores e intelectuais que nos brindaram com seu conhecimento. O Fórum é importantíssimo, em todo lugar que eu vou eu falo do Fórum, precisávamos fazer este seminário e agora vamos publicar este debate. Precisamos levá-lo para a sociedade e dizer: temos uma proposta diferente. Não precisa ser do jeito que estão propondo aí. O ensino pode ser público, gratuito e de qualidade. Ele não precisa ser pago. Foi ótimo termos feito isso hoje, vamos acelerar a produção e vamos dialogar com a sociedade”.

O Fórum Nacional pela Redução da Desigualdade Social é composto por mais de vinte entidades que realizam a Campanha Nacional pela Redução da Desigualdade Social no Brasil, que é estruturada em cinco eixos temáticos. São eles: mudar o modelo tributário brasileiro; preservar e ampliar os direitos sociais; preservar e ampliar políticas públicas de valorização do trabalho e da educação; reforçar a função social do Estado; e ampliar a democracia e a participação social.