Artigo – Ditadura saudita
É curioso ver como amplos setores da grande mídia brasileira são complacentes com ditaduras, desde que elas sejam alinhadas ao governo norte-americano. É o que se observa com o regime autocrático da Arábia Saudita. Trata-se de uma ditadura sanguinária, que promove uma guerra genocida contra o povo do Iêmen; que apoia a agressão permanente ao povo palestino; que executou 146 oposicionistas em 2017; e que persegue dissidentes até no exterior, como foi o caso do jornalista saudita Jamal Khashoggi, colaborador do Washington Post, assassinado no consulado saudita em Istambul, Turquia.
Matéria de um grande jornal paulistano, por exemplo, refere-se à ditadura como governo saudita, e ao ditador sanguinário Mohammed bin Salman como príncipe herdeiro. Já as referências aos governos da Venezuela e do Irã vêm sempre adjetivadas como ditaduras, muito embora os dois regimes promovam eleições para o parlamento e para a presidência, o que não ocorre na Arábia Saudita.
Em vez de denunciar os crimes perpetrados pelo regime ditatorial, preferem destacar que o “benevolente” príncipe herdeiro decidiu autorizar as mulheres do país a dirigirem automóveis e a frequentarem estádios de futebol.
Todos sabem que as relações amistosas dos EUA com a ditadura saudita decorrem dela deter as maiores reservas mundiais de petróleo e os norte-americanos serem seus maiores exportadores, além de ser a maior importadora mundial de armas, sendo quase a totalidade fornecida pela indústria bélica norte-americana.
Refletir sobre esses fatos são importantes num momento em que se tenta tornar normal a existência de regimes ditatoriais, como o fez Dias Tofolli, presidente do STF, dizendo que o golpe militar de 1964 se tratou de um movimento (sic), ou nas homenagens ao coronel Brilhante Ustra, que comandava as sessões de tortura no DOI-CODI/SP. Se a memória do brasileiro é curta, passados já 33 anos do fim da ditadura militar, que os crimes da ditadura saudita refresquem nossa lembrança.
Júlio Miragaya é vice-presidente da Associação dos Economistas da América Latina e do Caribe (AEALC).
- Artigo publicado no Jornal de Brasília em 18/10/2018.