Quais são os riscos e benefícios de uma possível entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)? Este foi o tema da edição do Economia em Debate realizada no dia 11 de março, por ocasião da 712ª Sessão Plenária. O evento contou com os economistas Otaviano Canuto e Adhemar Mineiro na condição de palestrantes, e do jornalista Daniel Rittner, repórter especial do Valor, como comentarista.

Mineiro iniciou sua participação relatando que acompanhou, ao longo de dez anos, na OCDE, as reuniões do Comitê Assessor Sindical, especialmente no chamado Grupo de Política Econômica. “Alguns falam que desde o princípio a OCDE é zelosa da economia de mercado e da democracia. Mas a OCDE, no princípio, não foi muito interessada na democracia. Portugal, Espanha, Grécia e Turquia são membros fundadores”, pontuou. “Com a entrada da Colômbia houve muita discussão, porque o país não é considerado por muitos um bom respeitador de direitos humanos e sindicais. A OCDE fez alguns reparos, mas não colocou esta questão”.

Mineiro também falou da OCDE como um elemento da estruturação do mundo pós-Segunda Guerra Mundial, chamando a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) de instituição irmã. “A OCDE reafirma alguns pontos. O primeiro são as economias de mercado, o segundo é o direito dos investidores e acionistas. São princípios muito fortes dentro da organização. E há o enquadramento dos governos, que está previsto ali”, apontou. Quanto à entrada do Brasil, caracterizou como acoplada às políticas que vieram após 2016: “Os ministros Henrique Meirelles e Paulo Guedes sempre tiveram muito mais interesse na entrada na OCDE do que o Itamaraty, que sempre teve muitas dúvidas”.

O economista também advertiu sobre adesão às normas da OCDE: “O ministro Ciro Nogueira disse que o Brasil já aderiu a 103 dos 251 normativos da OCDE, organismo que reflete os interesses e prioridades dos países ricos. Agora estamos vendo isso de novo, já que a entidade foi um instrumento do movimento de sanções à Rússia. A OCDE tem lado”, analisou Mineiro. Além disso, Mineiro chamou a atenção para as articulações do Brasil com os BRICS, “outros países do bloco não estão na OCDE. Inclusive uma das sanções fechou o escritório da entidade em Moscou”, finalizou.

Mineiro também criticou a falta de transparência do debate sobre a entrada do Brasil na OCDE. “Eu acompanho a Rede Brasileira para a Integração dos Povos (REBRIP) e pedimos para acompanhar este processo. Pouca resposta nos foi dada da parte do governo”, contou. “Existem restrições para o uso das empresas estatais. As normas da OCDE as igualam às empresas privadas, ou seja, as estatais não podem ser instrumentos de desenvolvimento”.

Finalmente, o economista colocou uma opção na mesa: “Vejo com preocupação a entrada do Brasil na OCDE, mas vejo a possibilidade de participar das normas que sejam do interesse mais imediato”, comentou. “A possibilidade que temos é de pinçar as normas que são de interesse mais direto e que não limitem a capacidade de fazer políticas públicas. Não ingressar totalmente na instituição, que te faz reconhecer uma série de normativos de cuja discussão o país não participou”.

Já Otaviano Canuto vê vantagens na entrada do Brasil na OCDE. “É um grupo de suporte a boas práticas institucionais. A adesão à OCDE supõe que o cumprimento das regras seja em seu próprio benefício”, defende.

Para ele, a OCDE e a OMC são fundamentais no processo de desenvolvimento econômico de um país. “Hoje há um pleno reconhecimento de que o fator principal da capacidade de crescimento e desenvolvimento de forma inclusiva num país depende das instituições, do modus operandi, das leis estabelecidas, da governança”, expôs Canuto. “Se um país quer entrar para a OCDE, ele quer ter as instituições que os países-membros possuem e espera obter benefícios significativos. Não há corrupção zero em nenhum deles, mas o modo como tratam o problema faz uma enorme diferença na qualidade do crescimento.”.

Canuto trouxe em sua fala que países na OCDE carregam uma espécie de sele que reduz prêmios de risco e atrai mais investimentos. “O que eu gosto de enfatizar é que o selo é apenas a cereja do bolo. Os países têm outros tipos de ganho, como no comércio e na adoção de instituições que deram certo”, avalia o economista. Mas ele também fez uma ressalva: “Não digo que não existam países que consigam ascender na escala da renda sem adotar instituições”.

Ao mencionar a situação do México, destacou que existe uma parte do país com a ‘cara’ da OCDE, mais integrado, e um outro país, onde a estrutura das relações políticas e econômicas, por meio das instituições, não tão adequado às normas. Para Canuto, “Isso é um fator para que o México não tenha um resultado melhor no aspecto macroeconômico e de inclusão”.

Em relação ao processo de entrada do Brasil, Canuto vê a postura do País na área ambiental como um entrave. “Tipicamente o arcabouço institucional que opera neste momento no Brasil, no que diz respeito à gestão do meio ambiente, está longe de um país da OCDE”, comentou. “Também é um mito o argumento de que a OCDE constrange o espaço da adoção de políticas. Olhe para os países avançados: também fazem política industrial, proteção social, e a adoção de controles de capital já deixou de ser um anátema há bastante tempo. A OCDE não é algo coercitivo”, finalizou.

Daniel Rittner iniciou seus comentários apresentando uma visão geral, do ponto de vista jornalístico, das intenções do Brasil em relação à OCDE, relatando que durante os governos Lula e Dilma, sempre houve cautela com relação ao tema. “Mas já em 2015, o ministro Joaquim Levy fez um primeiro movimento e concluiu um acordo de aproximação para participar dos processos não decisórios como ouvinte”, pontuou. “Isso se acentuou em 2017 e o governo Bolsonaro dobrou a aposta. Acompanhei a visita a Washington em março de 2019, quando a grande tarefa da diplomacia brasileira era arrancar dos Estados Unidos um compromisso de apoio. Os americanos não entendiam por que é que o Brasil tinha tanto interesse”.

Rittner também comentou que deixou de usar a expressão “clube dos países ricos”, comumente usada para se referir à OCDE. “Gosto de falar que é um clube de boas práticas”, comentou. “Tenho visto uma tentativa de amarração do que seriam princípios e premissas de políticas econômicas e políticas públicas do Brasil para o futuro. Também se olha muito para o preço de o Brasil, sob outra orientação, desistir da OCDE. Haveria um dano reputacional?”, questionou.

O conselheiro federal Fernando de Aquino, coordenador da Comissão de Política Econômica do Cofecon, chamou a atenção para as divergências entre os dois debatedores. “Às vezes pensamos que falta algum estudo de caso ou um teste empírico. Ambos citam casos da economia mundial. A questão empírica não resolve definitivamente as divergências”, ponderou Aquino. “Será que depois de esses países terem se desenvolvido economicamente, passaram a adotar estes critérios por ser de interesse deles para manter a posição?”, questionou.

Na visão do conselheiro, as práticas da OCDE dificultam uma série de políticas para os países que ainda não atingiram o mesmo grau de desenvolvimento. “Os países ricos adotaram práticas no passado que hoje são por eles condenadas”, argumentou. E finalizou sua fala colocando algumas questões importantes: podemos liberar totalmente o comércio e os fluxos de capitais? Tratar as estatais como empresas privadas e não como instrumentos de política econômica? Quebrar patentes para salvar vidas? Ter uma política fiscal que engesse a política anticíclica? “Estas são as questões que se colocam para nós nesta discussão”, concluiu.

No dia seguinte, durante a sessão plenária, os conselheiros federais discutiram e aprovaram a nota oficial “As armadilhas do ingresso do Brasil na OCDE”. Ela pode ser lida clicando AQUI.

Para o debate na íntegra no vídeo abaixo: