O Conselho Federal de Economia realizou nesta quinta-feira (27) o primeiro evento de 2022 do projeto Economia em Debate. O ex-ministro Nelson Barbosa e o deputado federal Mauro Benevides Filho, ambos economistas, discutiram as perspectivas econômicas do Brasil em 2022. Também participaram do evento a jornalista Adriana Fernandes, repórter especial e colunista do jornal O Estado de S. Paulo; o presidente do Cofecon, Antonio Corrêa de Lacerda; e o conselheiro federal Fernando de Aquino Fonseca Neto.

Barbosa foi o primeiro a falar. Apresentou a economia como semiestagnada (a Fundação Getúlio Vargas projeta crescimento de 0,6%, abaixo do crescimento populacional) e com inflação em queda, embora os preços de alimentos ainda sejam uma ameaça. Apresentou também as ameaças no cenário internacional e, em seguida, falou do orçamento público.

“Do lado da política fiscal, o orçamento deste ano é basicamente igual ao do ano passado. A política fiscal, então, é neutra”, comentou Barbosa. “No ano passado houve um momento em que 35 milhões de pessoas recebiam o auxílio emergencial. Neste ano, deve cair para 15 milhões, o que aumenta a pobreza e a desigualdade”.

A alta dos preços de energia e combustíveis elevou a arrecadação do ICMS. “Os estados e municípios estão com caixa elevado. Como é um ano eleitoral, é ano de aumento de investimentos”, pontuou o ex-ministro, prevendo uma política expansionista por parte dos governadores. Já no plano federal, afirmou que o próximo governo, seja quem for o vencedor da eleição presidencial, proporá gastos extra-teto ou uma nova regra fiscal. “Sem a certeza do que o próximo governo vai fazer, é natural que os agentes esperem. Isso deprime a atividade em 2022, mas mostra que se o próximo governo tomar decisões corretas, haverá uma demanda reprimida que pode voltar em 2023”.

Para Barbosa, os problemas que o Brasil tem hoje são orçamentários. “A nossa história indica que é possível reequilibrar o orçamento com uma economia em crescimento, o que atenua o conflito distributivo e permite fazer mudanças de médio e longo prazo”, afirmou. “O desafio do próximo ano é uma flexibilização fiscal de curto prazo para o governo investir, gerar renda e emprego mais rapidamente e para que o estímulo de 2023 seja consistente com estabilidade de inflação, câmbio sob controle e reformas de longo prazo”.

Por fim, após citar a flexibilização realizada por Fernando Henrique e por Michel Temer antes de implementar a Lei de Responsabilidade Fiscal e o teto de gastos, respectivamente, o ex-ministro avaliou que não é difícil, na economia, tomar as medidas necessárias. “A dificuldade está na política. Convencer a população desta trajetória. Fazer coisas que passem no Congresso Nacional e que atendam as demandas da população, de forma consistente com uma trajetória financeira que não seja explosiva. Esse é o desafio dos economistas”.

Mauro Benevides Filho falou em seguida. Caracterizou a economia brasileira como algo que cresceu 6% até os anos 80, depois caiu para 2,5% e, de 2010 a 2020, cresceu zero. “Este modelo está tirando o crescimento do produto. Alguma coisa está equivocada”, criticou. “Temos um país altamente desigual, onde o estrato mais alto paga pouco imposto em comparação com os assalariados, e boa parte das medidas de política econômica são equivocadas”.

Benevides apontou que os gastos com pessoal e previdência cresceram além do teto. “O que o governo faz? Corta o investimento, que é a melhor despesa, aquela que gera emprego e receita e que fomenta o crescimento. O governo federal já chegou a investir R$ 120 bilhões e neste ano a previsão é de R$ 40 bilhões, mas vai executar R$ 25 bilhões”. Para embasar o argumento, mencionou um caso do seu estado. “O Ceará investiu R$ 1,5 bilhão no porto de Pecém e recebemos R$ 27 bilhões de investimentos numa siderúrgica em função desta expansão. Eu me orgulho de dizer que o Ceará, de investimento / receita corrente líquida, é o estado que mais investe no Brasil”.

Na sequência, o deputado criticou a falta de limite para os gastos financeiros – em especial, os juros da dívida pública, num momento em que a taxa básica de juros já passou de 2% para 9,25% e pode, em 2022, superar os 11%. “O Brasil disse que não tinha R$ 50 bilhões para pagar o Auxílio Brasil, que já estava muito endividado e não podia captar para fazer o pagamento, mas ao mesmo tempo o Banco Central levanta os juros. Como não faz política monetária com títulos próprios, mas com títulos do Tesouro, estamos falando de mais de 490 bilhões. Não tem dinheiro pra pagar auxílio Brasil, mas tem autorização para captar 500 bilhões para pagar juros com uma política monetária equivocada”.

O economista defendeu que a resolução da questão fiscal é importante para reduzir a taxa de juros. “Essa é a segurança, e não a quebra de contratos, como o governo acaba de fazer, dando calote nos precatórios”, criticou. “O governo precisa encontrar soluções. Há duas, que não são fáceis. A primeira é a incidência de Imposto de Renda na distribuição de dividendos. Não teve nenhum candidato com coragem para defender isso, mas agora está se tornando quase um consenso. A outra são as desonerações tributárias: como secretário da Fazenda, cortamos 10% de todos os incentivos fiscais. Não sou contra os incentivos, mas não pode ser desse tamanho que temos hoje no Brasil”.

Com R$ 300 bilhões em incentivos fiscais, um corte de 15% corresponderia a R$ 45 bilhões a mais em arrecadação por ano. “Tudo isso só é aprovado no Congresso Nacional se essas medidas forem analisadas durante a campanha, para se chegar à presidência com medidas já discutidas. Não são medidas genéricas, do tipo ‘sou a favor da distribuição de renda’. Qual é a medida? Quanto vai arrecadar? Isso não é processado no âmbito dos debates”.

Em sua intervenção, o conselheiro Fernando de Aquino, coordenador da Comissão de Política Econômica do Cofecon – comentou que as pessoas estão preocupadas com a política econômica do próximo governo, mas há um ano inteiro pela frente até chegar lá. “Ambos os debatedores colocaram as questões mais importantes para o momento que estamos enfrentando. Eu identificaria dois pilares da política econômica que têm engessado nossa economia: uma regra fiscal bastante rígida, que precisa ser mudada para que a política fiscal possa ser anticíclica e que, onde há recursos ociosos, possa ser um dos vetores da elevação do nível de atividade, da demanda agregada, que pudesse fazer despesas de capital em condições bem planejadas”.

Aquino afirmou que empresas privadas, em geral, fazem investimentos em que podem lançar mão de capital de terceiros, com custo menor do que o retorno esperado. “São gastos que se pagam. É preciso que haja espaço para este tipo de gastos, como infraestrutura, que atrai uma série de investimentos e aumenta a arrecadação”, defendeu Aquino. “Outra questão está na forma de combate à inflação. Só fazemos isso com elevação de juros. Tem que ter outra forma de combater a inflação vinculada à oferta, que é inflação de custos”.

O presidente do Cofecon, Antonio Corrêa de Lacerda, comentou ainda que a Emenda 95 se transformou, na verdade, num teto de investimentos. “Não por acaso, o investimento público nos quatro anos anteriores correspondia a 4% do PIB. Na média de 2017 a 2021 este número cai para 2% – ainda estamos fechando os números de 2021, mas estamos perto de 1,6%. E tudo isso diante da pressão pelas emendas parlamentares, do fundo eleitoral, gastos definidos pelo Congresso Nacional que não necessariamente tem uma boa eficácia, em detrimento do investimento público que, num momento de crise, é fundamental”.

Em seguida, a jornalista Adriana Fernandes, repórter especial e colunista do jornal O Estado de S. Paulo, questionou a opinião dos debatedores acerca da PEC para reduzir os tributos sobre o preço dos combustíveis. “A ideia econômica é um absurdo. Já houve uma proposta no Congresso, iniciativa do PT com outros partidos, para criar um fundo de estabilização de combustíveis. Pode suavizar o preço como está acontecendo com a energia. A solução de curto prazo é essa”, pontuou Barbosa. “Em 2018 tivemos este problema. Há várias soluções no mundo, algumas com mais mercado, outras com mais governo, mas desde 2016 o governo se comporta como um avestruz. Além disso, há uma questão de longo prazo: caiu o refino no Brasil. Produzimos mais e refinamos menos. Temos que aumentar esta capacidade. Tudo isso requer planejamento, requer conversa”. A proposta incluía a criação de um imposto sobre exportação quando o preço do petróleo atingisse certo patamar.

A repórter, então, questionou Benevides se esta PEC seria uma forma de pressionar os governadores, que dificilmente renunciarão a estas receitas (da ordem de R$ 170 bilhões nos estados). “Precisamos explicar à população que retirar o imposto do combustível não vai eliminar a flutuação para cima ou para baixo. Há 4 ou 5 meses o governo tirou PIS/Cofins do gás e o preço continua subindo. A Petrobras vinculou seu preço ao Brent acompanhado da variação cambial. Se o barril chegar a 100 dólares e retirarmos o imposto, em três meses o preço volta ao mesmo patamar e os governos perdem efetivamente receita”, explicou o deputado. “Não há dúvida de que há uma pressão política, porque retira o ônus do governo federal, que é acionista majoritário. Claro que há um componente político. A União não tem como abrir mão de 68 bilhões de reais, sendo que o governo já é deficitário há muitos anos. Duvido que alguém no Ministério da Economia dê parecer favorável”.

Outro questionamento levantado pela jornalista foi quanto aos salários dos servidores. “Foi um erro brutal do governo propor aumento só para uma categoria. Na prática, dispara demandas de outras categorias”, criticou Barbosa. “Nos governos do PT tivemos três grandes acordos. Ou se faz com todos, ou com ninguém. Se houver espaço fiscal, a prioridade não é aumentar salário de servidor. É transferir renda, fazer investimentos para gerar empregos. Mas isso não significa deixar o servidor sem aumento por 10 ou 20 anos. Dá pra fazer uma regra que cresça abaixo do PIB”.

Barbosa ainda apontou para a forma como o assunto voltará em 2023: “No final deste ano os juízes do Supremo vão propor aumento para si mesmos. Deputados e senadores vão aceitar e elevar seus próprios salários, levantando o teto do setor público. Isso gera uma corrida”.

Adriana perguntou qual seria a primeira medida para tomar e Benevides bateu novamente numa tecla: “Juro cai com o fiscal resolvido. Temos que resolver isso, que nunca ninguém resolveu. Tem que ter investimento e superavit primário. Primeira medida: recompor receitas. Cobrar dos mais ricos aquilo que eles não pagam hoje. Faz sentido o governo isentar de PIS/Cofins o filé mignon, o salmão e o queijo suíço? Você paga IPVA quando tem um carro. Por que o rico não paga IPVA sobre o helicóptero?”, questionou.

Para 2023, Nelson Barbosa apontou que o mais importante é combater a desigualdade e gerar empregos. “Aí temos que fazer reformas fiscais e tributárias compatíveis com esse enfrentamento imediato. Trabalho formal, com carteira, está virando raridade. Os jovens não têm perspectiva. Mudar a regra fiscal para 2023, para abrir espaço para uma expansão fiscal focada na redução da desigualdade e transferência de renda”, comentou. “País que não investe não cresce. Tem que ter um plano de investimentos para o governo, estados e municípios. Uma reforma tributária nas linhas que o Mauro (Benevides) colocou é um consenso. Mas reforma não é canetaço. Vai ser discutida e aprovada em 2023 para vigorar em 2024. Precisa ser gradual. Biden propôs um aumento de gastos com ajuste de impostos para 8 e 16 anos. Lula tem apontado para a reforma trabalhista. Precisamos dar mais direito aos milhões de trabalhadores de aplicativo que estão em situação muito vulnerável. Em Araraquara fizeram uma cooperativa de entregadores, recebem uma margem maior, a plataforma é deles”.

A jornalista perguntou se a eleição de 2022 vai debater o passado ou o futuro. “Nós discutimos aqui o que deve ser feito para o futuro”, expressou Benevides. “Mas como vai fazer? Não existe social sem dinheiro. Tem que definir o aspecto fiscal para saber quanto poderemos colocar no auxílio Brasil. A imprensa precisa exigir de todas as candidaturas as medidas que serão tomadas”.

“Lula lidera as intenções de voto porque os governos do PT foram bons”, argumentou Barbosa. “Precisamos investir em coisas que deram certo: educação, saúde, programas de investimento. Tem que haver reindustrialização, investimento em diversificação tecnológica, política industrial. O Brasil fabrica aviões, mas não navios. Tem montadoras de ônibus, mas não de carros. Tem motores elétricos, mas não faz eletrônicos. Há uma corrida mundial por semicondutores, automação e robótica, e o Brasil pode participar. Não é um Estado planificador, é uma cooperação entre Estado e mercado. As sociedades que dão certo fazem isso bem. E o desenvolvimento tem que ser para todos, não para poucos”.

Em suas palavras de encerramento, o presidente do Cofecon fez duas observações. “Ambos ressaltam que não é reforma tributária ou ajuste fiscal, mas as duas coisas. Mas o ajuste fiscal precisa ser inteligente. Ampliar investimentos, rever subsídios sem retorno social. Tem que ser revisto e depende de vontade política”, afirmou Lacerda. “E é urgente resgatar o crescimento com geração de emprego e renda. Temos 30 milhões de pessoas entre desocupados, desalentados e subocupados que estão fora do mercado de trabalho. Do lado social já é complicado, mas do econômico também”.